sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Sustentabilidade: a utopia do século XXI

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Este blog foi criado pelos doutorandos da turma de 2015 do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS-UnB), como trabalho final da disciplina "Ciência e Gestão da Sustentabilidade", coordenada pelo professor Saulo Rodrigues Filho.

Enquanto princípio ético e normativo definido no Relatório "Nosso Futuro Comum" da ONU, em 1987, o desenvolvimento sustentável alcançou rapidamente a condição de princípio universal, que vem orientando a elaboração de políticas públicas, estratégias corporativas e campanhas de marketing. Observa-se, entretanto, que a sustentabilidade tem sido utilizada com níveis muito variados de legitimidade, em muitos casos restringindo-se a meras estratégias de green-washing.

A grande aceitação da sustentabilidade como atributo indispensável ao desenvolvimento revela uma insatisfação generalizada quanto à manutenção do status-quo, identificado com o aumento das desigualdades sociais e com padrões de produção e consumo que nos legaram uma rápida destruição do patrimônio natural e étnico planetário.

Por outro lado, paralelamente aos anseios de valorização da dimensão socioambiental no mundo, surgem inúmeras e conflitantes propostas de conciliação de desempenho econômico com conservação ambiental e equidade social. Tal conflito, entre diferentes visões de mundo sobre os princípios que devem reger a economia política neste século XXI, alimenta-se da ambigüidade inerente ao conceito de sustentabilidade.


Prega-se a conciliação sem apontar o caminho, e portanto, permanece a pergunta-chave: Como definir os parâmetros que regulam a sustentabilidade, e assim fundar as bases de uma ciência emergente? O leque de receitas é vasto. Ao longo deste Blog, procuramos identificar e discutir sobre as principais correntes de pensamento em disputa, com vistas à definição do caminho a ser seguido em busca da sustentabilidade do desenvolvimento humano.


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Regimes Ambientais: vamos seguir em “dieta” de ações?

Fonte: Quino 2003, p. 194, tira 3 Fonte

por Sarah Irffi


Um contínuo e crescente esforço para reduzir as pressões sobre a natureza se observa nos numerosos e diversos acordos ambientais internacionais firmados entre países nos últimos anos. Multilaterais ou bilaterais, os acordos têm por objeto temas diversos: clima, biodiversidade, desertificação, resíduos perigosos, entre outros. Porém, em comum, as dificuldades inerentes ao processo de criação de uma base institucional de governança global que induza os países envolvidos à adoção de um comportamento cooperativo e proativo.
O dilema entre cooperar ou não cooperar permeia as discussões acadêmicas bem como é tema recorrente nos fóruns globais de negociação entre as nações sobre a real capacidade destes instrumentos em alcançar o resultado esperado. Em suma, muito se discute (e já se discutiu) sobre quais medidas devem ser adotadas em prol de bens públicos globais [I], tais como: o ar limpo, a biodiversidade, segurança, estabilidade financeira, entre outros, porém poucas medidas efetivas se observam em curso ou em vias de implementação. 
Ainda sim, cabe destacar que o estágio atual da governança ambiental internacional demonstra um avanço na curva de aprendizagem da sociedade sobre “o que”, “como” e “com quem” negociar, considerando-se os esforços de ratificação de diferentes acordos, formação de regimes ambientais internacionais e a adoção de políticas e práticas no âmbito doméstico.

Porém, uma análise sucinta na literatura dos fatores que influenciam ou determinam o sucesso das negociações dos acordos e/ou regimes ajuda a entender o porquê de tantas incertezas, desconfianças e até mesmo inércia dos países que acabam por levar ao fracasso e o ceticismo em relação às soluções coletivas. 
O aquecimento global (link texto Christina) é um bom exemplo da dificuldade de se promover a cooperação internacional via regime para minimizar a crise ambiental relacionada ao desequilíbrio climático. 


Fonte

A ausência de um consenso entre as nações faz com que as negociações para o combate às mudanças climáticas se arrastem há mais de duas décadas e a solução permaneça cada vez mais distante. 
Por outro lado, não podemos negligenciar que importantes resultados foram alcançados em negociações ambientais internacionais tais como, a Rio 92. Neste evento foi elaborada a Agenda 21, um roteiro para países, estados e cidades em prol do desenvolvimento sustentável. No ano de 2000, podemos destacar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) fruto de grandes conferências mundiais dos anos 90 que definiram metas claras a serem atingidas até o ano 2015. A agenda pós-2015, em negociação, demonstra que muitas metas foram alcançadas e outras não, sendo necessário firmar um novo compromisso global. 
A 21ª Conferência das Partes (COP 21 em inglês) em andamento neste mês em Paris se insere no regime jurídico internacional [II] proposto pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC em inglês), e reitera a necessidade de enfrentar conjuntamente as causas e os efeitos da crise climática. 
Tais regimes ambientais internacionais surgem, portanto, para resolver problemas, difundir informações e minimizar incertezas. Podem ser entendidos como “um conjunto de normas, regras e princípios implícitos ou explícitos e procedimentos de tomada de decisão sobre os quais os atores convergem suas expectativas” [2]. 
Porém, a facilidade ou dificuldade de formação de um regime é uma função de conflitos entre os interesses políticos, econômicos e ambientais dos países relevantes. Alguns autores destacam três fatores que são pertinentes na discussão sobre a formação e manutenção de regimes para bens públicos globais: como os interesses nacionais afetam o plano internacional, as incertezas dos atores sobre a qualidade da informação científica e a influência/pressão política de Organizações Governamentais e Não-Governamentais (ONGs) nos níveis nacional e internacional nas negociações [4]. 
Os regimes orientam, portanto, as ações de diferentes atores incluindo os Estados que são os membros mais formais do regime, as agências governamentais, corporações, grupos de interesses e até indivíduos cujo comportamento é afetado pela provisão do regime. Desempenham um papel de guia no cenário internacional influenciando o comportamento destes atores, criando novos papéis para atores relevantes através de suas regras, procedimentos de tomada de decisão e programas [5]. 
Têm por finalidade facilitar e encorajar a cooperação entre governos em acordos específicos na medida em que são capazes de alterar os custos transnacionais, permitir a troca de informação entre os membros, e melhorar a eficiência fazendo com que se torne mais conveniente para os governos estarem engajados no regime do que fora dele [5]. 
No entanto, só a cooperação não é suficiente para que o regime seja efetivo em seu propósito (as inúmeras COP já realizadas são o exemplo disso!). A cooperação é um dos pilares para a solução do problema que deve ainda levar em conta as preferências e os interesses individuais dos atores e, se o regime evita perdas e/ou proporciona ganhos conjuntos (sejam econômicos e/ou ambientais). 
Na literatura, há uma tendência em se focalizar nos efeitos que os acordos exercem na mudança de comportamento dos atores como medida de efetividade, colocando em segundo plano a análise da ocorrência dos impactos, os quais demonstram as modificações no ambiente provocadas pelo regime. Ou seja, existe uma distinção clara entre os tipos de efetividade; a institucional e a ambiental. 
A mudança de comportamento sugere um efeito institucional positivo, porém esse pode ser completamente irrelevante em termos de efetividade ambiental se os principais responsáveis pela degradação que se busca minimizar ou eliminar não estiverem inseridos no regime. Sendo assim, para se atingir a efetividade ambiental é fundamental que os atores ecologicamente relevantes estejam envolvidos e que também se leve em consideração a participação relativa dos atores no decorrer do tempo (horizonte temporal); aqueles que não poluem ou causem danos hoje podem se tornar os poluidores de amanhã [7]. 
É o caso, por exemplo, da inexistência de metas obrigatórias para redução das emissões de gases de efeito estufa por países em crescente expansão econômica, tais como a China ou a não ratificação do regime ambiental por aqueles países historicamente emissores, Estados Unidos. 
A partir desta perspectiva e do cenário atual de negociações em Paris nos perguntamos se as ações a serem propostas pelos países (quando forem implementadas) serão capazes de produzir efeitos ambientais significantes. O tempo de elaboração de um acordo, muitas vezes, não corresponde ao tempo ambiental, e certas formas de degradação ambiental podem de fato ser irreversíveis.
Observamos que um esforço institucional para a assinatura de um novo acordo com metas mais ambiciosas está em andamento na COP 21. Resta-nos saber se a definição e implementação de melhorias será capaz de produzir resultados efetivos na escala de tempo apontada pelas evidências científicas como urgente. 

______________


I - Os bens públicos globais podem ser definidos como bens, serviços, ou recursos cuja existência é benéfica a todos os países sem exclusão nem concorrência. Se diferencia dos bens privados por seus efeitos de difusão serem sentidos em todo planeta, como também suas externalidades negativas e positivas. [1] 


II - estabilizar as concentrações dos gases de efeito estufa a um nível que impeça uma interferência perigosa no clima mundial. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente para permitir aos ecossistemas adaptar-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável [3].


Saiba mais

[1] BATTISTELLA, Marie – Claude; VENNESSON, Pascal. Dictionaire des Relationes Internacionales. Paris: Dalloz, 2003. p.31-35 
[2] KRASNER, Stephen D. (ed). 1983. International Regimes. Ithaca, NY: Cornell University Press. 
[3] BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Brasília: MCT, 1992. 31p. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/Clima/convencao/pdf/Convencao.PDF> Acesso em 10 out. 2005 p. 6 
[4] BUCK, Susan J. A Framework for Analysis. In: BUCK, Susan J. The Global Commons: an introduction. Washington: Island Press, 1998. Cap.2, p.29-35. 
[5] YOUNG, Oran R. The Effectiveness of International Regimes. In: YOUNG, Oran R. Governance in world affairs. Ithaca: Cornell University Press, 1999a. Cap.5, p.108. 
[6] CIOPPA, Tom.; BRUYNINCKX, Hans. The Effectiveness of International Environmental Regimes: What about the Environment? International Studies Association. Los Angeles, p.1-40, Mar.2000. Disponível em: <http://www.ciaonet.org/frame/wpsfrm.html> Acesso em 26 set. 2005. 
[7] BURSZTYN, M. A.; BURSZTYN, M. Fundamentos de Política e Gestão Ambiental: caminhos para a sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. 612 p. 
[8] PRESTRE, Phillipe L. Ecopolítica Internacional. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000. 481p 
[9] MITCHELL, Ronald. International Environmental Agreements: A Survey of Their Features, Formation, and Effects. Annu. Rev. Environmental Resources, August 2003. 28:429–61.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Recursos Hídricos E Sustentabilidade: Construindo Caminhos De Gestão

Figura 1: Geografia global da incidência de ameaças para abastecimento de água. 
Valores em vermelho identificam maior ameaça. Retirado de Vörösmarty, C. J. et al., 2010



por Ricardo Brasil Choueri


Grande parte do mundo já está sofrendo com a pressão e a significativa escassez de água, e a situação tende a piorar à medida que as populações globais, as economias e as taxas de consumo continuam a crescer. Além disso, estamos alterando o sistema global da água de forma significativa, sem o conhecimento adequado de seu funcionamento e de como o mesmo responde às mudanças [1]. Alguns autores [2] creem que 80% da população mundial está exposta a um grau elevado de escassez hídrica e 65% das espécies que vivem nos rios estão ameaçadas. A principal causa é a ação humana, como a construção excessiva de barragens e hidrelétricas, falta de saneamento, pesca predatória e poluição (Figura 1).
Alguns estudos a partir de dados hidrometeorológicos extremos e prospecção de cenários de mudança climática fornecem evidências de que os recursos aquáticos serão impactados, com implicações sérias para a seguridade humana. Mudanças climáticas associadas inclusive às modificações nos padrões de precipitação (chuvas) [3] afetarão de maneira negativa a produção de cereais  em países em desenvolvimento (Figura 2) [4]. O número de pessoas afetadas globalmente por desastres naturais (incluindo secas e cheias) tem aumentado gradualmente desde a década de 1970 e eventos hidrológicos extremos provavelmente serão mais severos e mais frequentes (Figura 3) [5,6].
 
Figura 2: Mudança na produção de cereais em países desenvolvidos e em desenvolvimento considerando um aumento no aquecimento em torno de 3oC, em três modelos. Retirado de Stern et al. (2006).

Figura 3 – Número de desastres reportados por década (1971-2010).
Azul escuro são enchentes; azul claro são deslizamentos; verde são tempestades; amarelo são secas;
 vermelho são temperaturas extremas; laranja são queimadas. Retirado de WMO (2014).


O Brasil, embora ocupe uma posição privilegiada em relação à disponibilidade de recursos hídricos no mundo, possui reservas de água doce que não estão distribuídas de maneira uniforme pelo país. Oitenta por cento destas reservas concentram-se na região Amazônica, enquanto que apenas 4% estão na região semiárida do Nordeste, que abriga 35% da população brasileira, em sua maioria famílias de baixa renda. No Sul e Sudeste, onde vivem 60% da população, estas pessoas passaram a enfrentar ameaça crescente de escassez de água, local ou generalizada, em decorrência do crescimento econômico, da urbanização acelerada e poluição hídrica (Figura 4) [7].
Associado a isso, a região Nordeste e Sudeste vem experimentando redução no nível de chuvas verificados mensalmente (desde 2012 na região Nordeste e desde outubro de 2013 na região Sudeste) em relação à média histórica mensal (desde 1930) [8]. Estes eventos deflagraram uma das maiores crises hídricas vivenciadas pelo país, sobretudo em 2014, afetando o mais importante manancial da maior cidade da América do Sul: O sistema Cantareira, que abastece mais de 8,8 milhões de pessoas na cidade de São Paulo (Figuras 5, 6 e 7) [9].

Figura 4: Bacias de rios de domínio da União e dos Estados com trechos críticos identificados. Trechos críticos são áreas de conflito, seja pela concorrência de usos ou baixa oferta, ou ambos. Retirado de ANA (2015).

Figura 5: Vazões mensais afluentes ao reservatório equivalente do Sistema Cantareira. Retirado de ANA (2015).
Figura 6: Evolução do estoque de água no Sistema Cantareira. Retirado de ANA (2015).
Figura 7: Retirada de água por bombeamento do Sistema Cantareira, em novembro de 2014.
Foto do acervo pessoal do autor.


As causas da crise hídrica não podem ser reduzidas, entretanto, apenas às menores taxas pluviométricas (chuvas) verificadas nos últimos anos, pois outros fatores relacionados à gestão de demanda e oferta são importantes para agravar ou atenuar sua ocorrência [8,10].
Nesse sentido, a gestão dos recursos hídricos torna-se importante para garantir água em quantidade e qualidade para a sociedade. No Brasil, historicamente, a gestão de águas se desenvolveu de forma fragmentada e centralizada. Fragmentada porque cada setor realizava seu próprio planejamento (energia elétrica, agricultura irrigada, saneamento, etc.). Centralizada porque os governos estaduais e federal definiam a política sem a devida participação dos governos municipais, dos usuários da água e da sociedade civil. Debates internacionais e nacionais ocorridos na década de 1980 e 1990 coincidiam quanto à definição dos princípios básicos de um novo modelo de gestão: deveria ser descentralizada, integrada e participativa [11]. Estes princípios foram incluídos em um novo paradigma para gestão dos recursos hídricos: A Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH (Lei Federal 9.433/1997).
Dessa forma, a gestão das águas não pode ser desintegrada da gestão ambiental. Atualmente, as duas políticas nacionais que tratam especificamente do gerenciamento ambiental e de recursos hídricos são respectivamente a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81) e a já citada Política Nacional de Recursos Hídricos. A defasagem temporal entre suas instituições (16 anos) justifica as grandes diferenças conceituais que adotam [12].
Gerencialmente, a primeira se caracteriza por uma abordagem comando-e-controle, com uso de instrumentos normativos, enquanto a segunda elenca instrumentos econômicos de gerenciamento, como a cobrança pelo uso de água. Devido às superposições existentes nas duas políticas é de se esperar que pelo menos alguma forma de articulação exista, quando não for possível uma completa integração por questões organizacionais [12].
Particularmente sobre o instrumento de cobrança, este possui três objetivos: a) reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; b) incentivar a racionalização do uso da água; c) obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos. Cabe destacar que os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados tanto no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos quanto para o pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Outro aspecto importante destacado por Lanna [13] é que a Lei 9.433 de 1997 apresenta como novidade a cobrança da água bruta bem como o uso da água disponível no ambiente como receptor de resíduos. A Lei pode se reportar também a necessidade de cobrança para abastecimento de água ou a tratamento de esgotos, mas não apresenta uma novidade teórica, pois já se aplica desde muito antes da promulgação desta Lei.
Assim, neste cenário de mudanças climáticas e eventos extremos, questões relacionadas à oferta de água afetarão um número cada vez maior de pessoas, sobretudo aquelas em condições mais vulneráveis. O desafio que se coloca será integrar cada vez mais a gestão da água com outras políticas correlatas, sobretudo a ambiental, e ainda permitir que os principais interessados dentro de uma bacia hidrográfica tenham condições efetivas de participação tanto na formulação quanto na execução de políticas de recursos hídricos.


Referências
1. PUR. Planet Under Pressure. 2012. Recomendações para a Rio +20: Segurança Hídrica para um planeta sob Pressão. Londres, 2012.  Disponível em: http://www.inpe.br/igbp/arquivos/Water_FINAL_LR-portugues.pdf. Acessado em: 26nov2015.
2. Vörösmarty, C. J. et al., 2010. Global threats to human water security and river biodiversity. Nature 467555–561.
3. EMBRAPA 2008. Aquecimento global e a nova Geografi a da produção agrícola no Brasil. 84 p.
4. Stern et al., 2006. Review: The Economics of Climate Change, HM Treasury, London.
5. Allouche, J. 2011. The sustainability and resilience of global water and food systems: Political analisys of the interplay security, resource scarcity, political systems and global trade. Food Policy 36, S3-S8.
6. WMO. 2014. Atlas of Mortality and Economic Losses from Weather, Climate and Water Extremes (1970-2012). Geneva: Switzerland.
7. Marengo, J.A., et al. 2010. Mudanças Climáticas e Recursos Hídricos. Capitulo 12, (pp-200-215). Em: Bicudo, C.E.M., Tundisi, J.G. & Scheuenstuhl, M.C.B. Águas do Brasil: Análises Estratégicas. São Paulo: Instituto de Botânica. 222 p. Disponível em: http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-818.pdf. Acessado em: 10/10/2015.
8. ANA. 2015. Encarte Especial Sobre a Crise Hídrica. Em: Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil: Informe 2014. Brasília-DF.
9. Martins, A. 2014. Sistema Cantareira e a Crise da Água em São Paulo: A Falta de Transparência no Acesso à Informação. Disponível em: http://artigo19.org/wp-content/uploads/2014/12/Relat%C3%B3rio-Sistema-Cantareira-e-a-Crise-da-%C3%81gua-em-S%C3%A3o-Paulo-%E2%80%93-a-falta-de-transpar%C3%AAncia-no-acesso-%C3%A0-informa%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 10/12/2015.
10. Greenpeace. 2015. Crise Hídrica e Direitos Humanos: Relatório de Violação de Direitos Humanos na Gestão Hídrica do estado de São Paulo. Disponível em: http://www.greenpeace.org/brasil/Global/brasil/documentos/2015/greenpeace_relatorio_hidrica_A4-ALTA.pdf. Acessado em: 10/12/2015.
11. Abers, R. & Jorge, K. D. 2005. Descentralização da Gestão da Água: Por quê os Comitês de Bacias estão sendo criados? Amb&Soc, v 8, n 2, jul-dez.
12. Lanna, A.E. 2000. A inserção da gestão das águas na gestão ambiental. Parte 2: A Gestão dos Recursos Hídricos no Contexto das Políticas Ambientais. Disponível em: http://www.uff.br/cienciaambiental/biblioteca/rhidricos/parte2.pdf. Acessado em 26nov2015.
13. Lanna, A.E. 2003. Uso de Instrumentos Econômicos na Gestão das Águas no Brasil. Bahia Análise de Dados, v 13, n. especial, 441-451.

Vídeos:
Sobradinho – Sá & Guarabyra https://www.youtube.com/watch?v=naxgLThFCsc
Planeta Água – Guilherme Arantes. https://www.youtube.com/watch?v=s75hS0H_dNc
You Must Be Kidding – Will Butler. https://www.youtube.com/watch?v=sEMJbdkm9So

Charge:


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A Alternativa do Desenvolvimento Local Participativo

Figura 1  Índio faz selfie durante a 4ª edição dos Jogos Tradicionais Indígenas no Pará. 




por Nathália Kneipp Sena


          Cultura e globalização abrangem ampla discussão de conceitos e posicionamentos sobre o fenômeno de todo indivíduo tornar-se o “ponto de encontro  de um vasto conjunto de traços culturais”,  no dizer de  Wallerstein.  Com  ícones da globalização, como o celular e a selfie do índio do Pará (foto), vem a ilusão de que estamos todos em um mesmo patamar civilizatório, unidos pelos símbolos e representações da vila global, com significados, benesses e problemas universais. Crê-se que tenhamos os mesmos valores, oportunidades, necessidades e, sobretudo, qualidade de vida. Tudo estaria sob a expectativa de proteção social via desenvolvimentismo, em que prevalece a espera da reprodutibilidade de um milagre via crescimento econômico. Esse Eldorado, the American dreamsupostamente nos alçaria ao sucesso de sermos produtores e consumidores  de mercadorias com alto valor agregado de tecnologia e inovação, a fonte de toda a felicidade humana, com uma natureza a ser explorada de forma cornucopiana. É no confronto entre expectativas e realidades que surgem as conversas e identidades a partir das tribos, com novos sentidos, como de grupos locais ou de busca, encontro e fruição de afinidades.

         Iniciativas que fomentam o Desenvolvimento Local Participativo (DLP) têm em comum a busca da ação comunicativa para se refletir sobre as realidades sociocomunitárias e o que pode ser feito para melhorar as condições de vida a partir de ações locais.  Para Poschman e Dowbor , o desenvolvimento local não visa mais o slogan “o negócio é ser pequeno”, como propunha Schumacher  e sim a articulação de várias territorialidades cujo potencial encontra-se subutilizado. Pensar global e agir localmente é aceitar que as situações diferem no microuniverso dos atores locais e isso requer políticas diversificadas que devem surgir a partir da interação e da participação dessas comunidades.  

Ilustração da autora, proposta com base no trabalho de Homström


           A essência de Habermas está em seu humanismo declarado, ao ter a humanização da sociedade como meta. Isso está expresso em sua crença de que a sociedade possa ser coordenada pelo princípio da argumentação, razão (reasoning) alcançada via diálogo, orientado por intersubjetividades, valores,  princípios norteadores para que o diálogo possa acontecer na esfera pública, via ação comunicativa. É esse conceito que aparece com freqüência nas atividades de DLP e, também nos trabalhos de extensão das universidades, quando se busca aproximar o problema de pesquisa ao problema social. A expressão invisible college, atribuída a Robert Boyle, no século 17, mantém-se em processo de semiose e foi ressignificada em 1972, quando Diana Crane a utilizou com o sentido de “redes de comunicação”, “círculo social”, “grupo de solidariedade”, no contexto do movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade. É na racionalidade da ação comunicativa que se encerram os esforços de popularização da ciência e a ausculta e valorização dos saberes tradicionais ou ancestrais.

“O desenvolvimento local participativo corresponde ao conjunto das ações que acontecem a partir do território, com o envolvimento direto da população, tendo como resultado a criação de riqueza e a dinamização da economia, a geração de trabalho e renda e a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida.” Leia mais sobre o conceito na Cartilha elaborada pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS)


         Em várias iniciativas, o DLP aparece indissociado de conceitos complementares como o de arranjo produtivo local (APL), podendo ser de subsistência (APLS) ou de “alívio da pobreza”; tecnologia social (TS), economia solidária (ES); economia criativa (EC); orçamento participativo (OP); planejamento estratégico participativo (PEP), desenvolvimento sustentável (DS) ou ecodesenvolvimento, entre outros. Peet e Hartwick, ao criticarem a economia clássica e neoclássica dizem não haver coerência entre o “vender coisas e fazer dinheiro ser a natureza humana”. Isso é observado quando se confronta os modelos atuais aos subsistemas sociais que prevaleceram por 99% da história do homo sapiens – coletar, caçar, organizar-se em tribos e comunidades agrícolas, como ocorreu na China, Egito e Roma. Em relação a essa crítica, percebe-se no contexto do DLP a intenção de se resgatar novas atribuições de sentido à organização socioeconômica e às necessidades coletivas, em que a qualidade de vida sobressaia entre as prioridades.

          Quando os atores locais são grupos étnicos, fala-se em etnodesenvolvimento local ou etnodesenvolvimento ambientalmente sustentável. Opõe-se a indigenismo integracionista. Para Little há conjugação de dois conceitos: a ideia de desenvolvimento econômico de um grupo étnico e o desenvolvimento da etnicidade de um grupo social. A proposta universalista de desenvolvimento econômico não pode ser simplesmente considerada como maléfica para os povos tribais e pequenos agricultores. Muitos buscam ativamente mais desenvolvimento nos padrões hegemônicos, ou seja, querem comprar tratores, carros, computadores, câmeras fotográficas e filmadoras, motores de popa e todos os bens e serviços que fazem com que um ser humano se localize na modernidade.  A opção pela atuação na esfera local é feita com o intuito de que nessa escala possa se incentivar uma autogestão étnica, em que não se abandone a herança cultural, riqueza e saberes ancestrais dessas comunidades, muito pelo contrário, que sejam valorizados e disseminados. Verdum acrescenta a esse contexto a possibilidade de se desenvolver capital social,  com fortalecimento da “energia social” e da autoestima individual e coletiva. Tal abordagem se diferencia em relação às antigas políticas indigenistas de integração, sinônimo de assimilação. Que possam deixar de ser tutelados, e passem a ser organizados segundo seus costumes, é a expectativa.

          Denominam-se “síndromes da mudança global” alguns processos não-sustentáveis de desenvolvimento em que certos males da degradação ambiental são experimentados na esfera global e local. No Brasil, incidem as síndromes da Favela, do Sahel (terras exauridas pelo cultivo) e da tempestade de areia (terras desertificadas pela ação humana). A palavra síndrome é usada como metáfora para designar esses problemas em que a ação humana degradou o meio ambiente, tornando-o hostil à sobrevida das populações. Luedeke, Petschel-Held e Schellnhuber vislumbram propostas de soluções a serem construídas com  “ação-conhecimento”. Para a síndrome da Favela, por exemplo, pode-se considerar as ações do Comitê para Democratização da Informática e Cidadania (CDI), um exemplo de DLP, na medida em que a comunidade é protagonista nas diversas etapas do planejamento, autoformação, busca de soluções, transformações desejadas com uso da tecnologia. Fomenta-se o compromisso de ser agente de mudanças, “reprogramador da vida e do mundo”, o que aparece nas histórias transformadoras, narrativas sobre quais feitos foram concretizados por essa rede tão heterogênea de participantes.

        A Agenda 21 foi um documento das Nações Unidas que buscava ser uma espécie de roteiro rumo à sustentabilidade. Pretendia-se oferecer aos municípios as ferramentas (planejamento participativo) e diretrizes para a modernização. Traduzir o lema “pensar globalmente e agir localmente” para a ação de “pensar o federal, articular o estadual e agir no municipal”. Ao se fazer um levantamento dos resultados da Agenda 21 Brasileira, em relação às metas propostas, concluiu-se que houve pouca inter-relação com o Plano Plurianual (PPA), o que fez com que muitas intenções não saíssem do papel. Por outro lado, identificaram-se diretrizes efetivamente aplicadas. Todas essas experiências, somadas aos Planos Diretores Participativos,  reforçam a importância da boa sintonia entre os atores locais para o sucesso entre planejamento e execução de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. Consolida-se a percepção de que não há um caminho pronto ou receita a seguir. Como disse o poeta: “caminhante, o caminho se faz ao andar”, ao que a valorização do DLP adicionaria a preferência por seguir em grupo ou em “tribos”.

Sustentabilidade Urbana


Foto: Favela da Rocinha - RJ. Fonte



por Moema Guimarães Morgado





O crescimento da população mundial, de forma desordenada e desenfreada, trouxe como consequência uma concentração exacerbada das pessoas nas cidades, gerando perda da qualidade de vida e o declínio da saúde ambiental nas grandes metrópoles.
Somos aproximadamente 7 bilhões de pessoas no planeta, e estima-se que, em 2050, a população seja de 9 bilhões de pessoas, sendo que 65% estarão vivendo nas cidades [1]. Atualmente, 32% da população urbana (924 milhões de pessoas) vivem em favelas e os dados apontam que em 2020 a população de moradores em favelas seja de 1,4 bilhão de pessoas [2]. Esses indicadores chegam a ser assustadores pois representam o aumento da desigualdade, da pobreza e da violência, que, junto com a degradação dos recursos naturais apontam para um quadro triste que clama por novas perspectivas e mudanças de paradigmas no que tange ao planejamento urbano.   

Foto: Favela de Paraisópolis - SP. Fonte

Um dos maiores problemas das cidades é a violência [3]. Hoje se sabe que a criminalidade não pode ser combatida com aumento de balas e polícia, tampouco com a diminuição da densidade populacional. É preciso repensar o planejamento urbano e os princípios de reurbanização. Se trouxermos para a atualidade o pensamento de Jane Jacobs concordaremos que as ruas e calçadas de uma cidade são seus órgãos mais vitais. Assim como as ruas de uma cidade têm finalidades além do tráfego de veículos, as calçadas têm outros papéis além de acolher pedestres. Uma rua movimentada consegue garantir a segurança enquanto uma rua deserta é uma oportunidade à violência. Se uma rua∕ avenida∕ calçada possui em seu entorno edifícios com uma boa diversidade de usos, a calçada por si só funcionará como uma barreira ao crime. Havendo movimento de pessoas diversas, a todo momento do dia e da noite, o “sistema de vigilância cidadã” combate a criminalidade e a violência na cidade [4].
Foto: Favela Manguinhos - RJ - © Marcelo Sayão. Fonte
A cidade de Medellín, na Colômbia, tornou-se um exemplo mundial ao criar uma nova trama urbana tendo a cultura como eixo de sua ação. Durante anos, Medellín manteve altos índices de violência e desigualdade, sendo considerada a cidade mais violenta do mundo em 1991. Em 2010, a cidade havia diminuído consideravelmente suas taxas de violência e de desigualdade, por meio de estratégia de investimentos para os bairros marginalizados, a qual envolveu um plano para integrar as áreas informais da cidade no tecido urbano. Um dos aspectos que cabe ressaltar nesse plano, chamado de urbanismo social, foi a criação de Parques Biblioteca, que nada mais são que grandes centros culturais construídos a partir de projetos arquitetônicos impactantes, os quais integram num mesmo espaço público a educação, a recreação, a cultura e a arte. [5]
Outro grande problema que as cidades brasileiras enfrentam são as enchentes urbanas. As inundações que decorrem do processo de urbanização têm sua origem na ocupação de forma desordenada e impermeabilização do solo, que causa a diminuição da infiltração da água da chuva, acarretando o aumento no volume e velocidade do escoamento superficial (run off). A água da chuva, ao escoar, busca saídas pelas vias da cidade, que muitas vezes são insuficientes para abarcar a quantidade de água, quando não estão entupidas por lixo urbano e detritos. O resultado esperado é o que vemos ano após ano em cidades relativamente modernas, como São Paulo e Rio de Janeiro. As enchentes e inundações fazem parte da realidade de boa parte das cidades brasileiras, revelando também aspectos precários de saneamento e gestão dos resíduos sólidos. Tais eventos representam grandes desafios para uma boa governança, pois exigem um planejamento que concilie desenvolvimento com gestão ambiental do meio urbano. (Entre Rios)
Foto: Enchente em São Paulo. Ale Vianna/News Free/AE. Fonte

Por fim, não podemos deixar de mencionar os problemas relacionados à questão da mobilidade urbana, a qual clama por soluções urgentes. Tornou-se insustentável, principalmente nas grandes metrópoles, o padrão de mobilidade centrado no transporte motorizado individual. Certas cidades já não comportam a quantidade de automóveis nas vias e nos estacionamentos públicos. Na medida em que o transporte público coletivo não atende a necessidade de deslocamento da população, o uso do transporte motorizado individual torna-se a saída mais fácil e rápida. Saída essa que, além ser nociva ao meio ambiente por causar paulatinamente maior degradação da qualidade do ar e contribuir para o aquecimento global, ainda compromete a qualidade de vida, devido ao aumento significativo nos níveis de ruídos, perda de tempo, degradação do espaço público, acidentes e stress. [6]

Foto: Espaço ocupado no tráfego. Fonte

Nos últimos dez anos, o uso da bicicleta vem crescendo e sendo incentivado, inclusive por políticas públicas, que passaram a planejar a malha viária urbana com ciclovias integrando pontos importantes da cidade. Algumas cidades europeias já implantaram um sistema de mobilidade que privilegia espaços para pedestres e ciclistas nas ruas. Países do norte da Europa, como a Dinamarca e a Holanda, apresentam altos níveis de utilização da bicicleta como meio de transporte. Na China, a bicicleta é o principal meio de transporte, sendo responsável por 40% dos deslocamentos urbanos. Já nos Estados Unidos, onde a dispersão do espaço urbano exige o uso de veículos automotores, menos de 1% dos deslocamentos são realizados de bicicleta.
Fica evidente que o grande desafio das cidades dos tempos atuais está em redesenhar a vida cotidiana na busca de novas maneiras de viver na coletividade, ao mesmo tempo respeitando processos naturais do ambiente e buscando formas mais sustentáveis no uso do espaço comum, transformando as cidades em espaços de convivialidade com qualidade de vida. 

Saiba mais:
Link do documentário sobre a urbanização da cidade de São Paulo:

Referências:
Acesso em 8 dez. 2015.

[2] UN-HABITAT. United Nations Human Settlements Programme. A Practical Guide to Designing, Planning, and Executing Citywide Slum Upgrading Programmes 2014. Disponível em:
http://unhabitat.org/books/a-practical-guide-to-designing-planning-and-executing-citywide-slum-upgrading-programmes/  Acesso em 8 dez. 2015.

[3] UNODC. United Nations Office on Drugs and Crime. Annual Report 2014. Disponível em: http://www.unodc.org/documents/AnnualReport2014/Annual_Report_2014_WEB.pdf Acesso em 8 dez. 2015.

[4] JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Martins Fontes, São Paulo; 1ª edição, 2000.

[5] Sotomayor, L. Medellín: The New Celebrity? Spatial Planning in Latin America [online], August 26. 2013. Disponível em:  https://planninglatinamerica.wordpress.com/2013/08/26/medellin-the-new-celebrity/ Acesso em 8 dez. 2015.

[6] BRASIL. Ministério das Cidades. Programa brasileiro de mobilidade por bicicleta, SeMob. 2007. Disponível em: http://www.mma.gov.br . Acesso em 8 dez. 2015.