Figura 1 Índio faz selfie durante a 4ª edição dos
Jogos Tradicionais Indígenas no Pará.
Foto de Tarso
Sarraf/Agif/Estadão
|
por Nathália Kneipp Sena
Cultura
e globalização abrangem ampla discussão de conceitos e
posicionamentos sobre o fenômeno de todo indivíduo tornar-se o “ponto de
encontro de um vasto conjunto de traços
culturais”, no dizer de Wallerstein.
Com
ícones da globalização, como o celular e a selfie do índio do Pará
(foto), vem a ilusão de que estamos todos em um mesmo patamar civilizatório,
unidos pelos símbolos e representações da vila global, com significados,
benesses e problemas universais. Crê-se que tenhamos os mesmos valores,
oportunidades, necessidades e, sobretudo, qualidade de vida. Tudo estaria sob a
expectativa de proteção social via desenvolvimentismo,
em que prevalece a espera da reprodutibilidade de um milagre via crescimento
econômico. Esse Eldorado, the American
dream, supostamente nos alçaria ao sucesso de sermos produtores e
consumidores de mercadorias com alto
valor agregado de tecnologia e inovação, a fonte de toda a felicidade humana,
com uma natureza a ser explorada de forma cornucopiana.
É no confronto entre expectativas e realidades que surgem as conversas e
identidades a partir das tribos,
com novos sentidos, como de grupos locais ou de busca, encontro e fruição de afinidades.
Iniciativas que fomentam o
Desenvolvimento Local Participativo (DLP) têm em comum a busca da ação
comunicativa para se refletir sobre as realidades
sociocomunitárias e o que pode ser feito para melhorar as condições de vida a
partir de ações locais. Para Poschman
e Dowbor , o desenvolvimento local não visa mais o slogan “o negócio
é ser pequeno”, como propunha Schumacher
e sim a articulação de várias
territorialidades cujo potencial encontra-se subutilizado. Pensar global e agir
localmente é aceitar que as situações diferem no microuniverso dos atores
locais e isso requer políticas diversificadas que devem surgir a partir da
interação e da participação dessas comunidades.
Ilustração da autora, proposta com base no trabalho de Homström |
A essência de Habermas está em seu humanismo declarado, ao ter a humanização da sociedade como meta. Isso está expresso em sua crença de que a sociedade possa ser coordenada pelo princípio da argumentação, razão (reasoning) alcançada via diálogo, orientado por intersubjetividades, valores, princípios norteadores para que o diálogo possa acontecer na esfera pública, via ação comunicativa. É esse conceito que aparece com freqüência nas atividades de DLP e, também nos trabalhos de extensão das universidades, quando se busca aproximar o problema de pesquisa ao problema social. A expressão invisible college, atribuída a Robert Boyle, no século 17, mantém-se em processo de semiose e foi ressignificada em 1972, quando Diana Crane a utilizou com o sentido de “redes de comunicação”, “círculo social”, “grupo de solidariedade”, no contexto do movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade. É na racionalidade da ação comunicativa que se encerram os esforços de popularização da ciência e a ausculta e valorização dos saberes tradicionais ou ancestrais.
“O desenvolvimento local participativo corresponde ao conjunto das ações que acontecem a partir do território, com o envolvimento direto da população, tendo como resultado a criação de riqueza e a dinamização da economia, a geração de trabalho e renda e a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida.” Leia mais sobre o conceito na Cartilha elaborada pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS)
Em
várias iniciativas, o DLP aparece indissociado de conceitos complementares como
o de arranjo produtivo local (APL),
podendo ser de subsistência (APLS) ou de “alívio da pobreza”; tecnologia social
(TS),
economia solidária (ES);
economia criativa (EC);
orçamento participativo (OP); planejamento estratégico participativo (PEP),
desenvolvimento sustentável (DS)
ou ecodesenvolvimento, entre outros. Peet
e Hartwick, ao criticarem a economia clássica e neoclássica
dizem não haver coerência entre o
“vender coisas e fazer dinheiro ser a natureza humana”. Isso é observado quando
se confronta os modelos atuais aos subsistemas sociais que prevaleceram por 99%
da história do homo sapiens –
coletar, caçar, organizar-se em tribos e comunidades agrícolas, como ocorreu na
China, Egito e Roma. Em relação a essa crítica, percebe-se no contexto do DLP a
intenção de se resgatar novas atribuições de sentido à organização socioeconômica
e às necessidades coletivas, em que a qualidade de vida sobressaia entre as
prioridades.
Quando os atores locais são grupos étnicos, fala-se
em etnodesenvolvimento local ou etnodesenvolvimento ambientalmente sustentável.
Opõe-se a indigenismo integracionista. Para Little há conjugação de dois conceitos: a ideia de desenvolvimento econômico de
um grupo étnico e o desenvolvimento da etnicidade de um grupo social. A
proposta universalista de desenvolvimento econômico não pode ser simplesmente
considerada como maléfica para os povos tribais e pequenos agricultores. Muitos
buscam ativamente mais desenvolvimento nos padrões hegemônicos, ou seja, querem
comprar tratores, carros, computadores, câmeras fotográficas e filmadoras,
motores de popa e todos os bens e serviços que fazem com que um ser humano se
localize na modernidade. A opção pela
atuação na esfera local é feita com o intuito de que nessa escala possa se
incentivar uma autogestão étnica, em que não se abandone a herança cultural,
riqueza e saberes ancestrais dessas comunidades, muito pelo contrário, que
sejam valorizados e disseminados. Verdum acrescenta a esse contexto a possibilidade de se desenvolver capital
social, com fortalecimento da “energia
social” e da autoestima individual e coletiva. Tal abordagem se diferencia em relação
às antigas políticas indigenistas de integração, sinônimo de assimilação. Que
possam deixar de ser tutelados, e passem a ser organizados segundo seus
costumes, é a expectativa.
Denominam-se
“síndromes da mudança global” alguns processos não-sustentáveis de
desenvolvimento em que certos males da degradação ambiental são experimentados
na esfera global e local. No Brasil, incidem as síndromes da Favela, do Sahel
(terras exauridas pelo cultivo) e da tempestade de areia (terras desertificadas
pela ação humana). A palavra síndrome é usada como metáfora para designar esses
problemas em que a ação humana degradou o meio ambiente, tornando-o hostil à
sobrevida das populações. Luedeke,
Petschel-Held e Schellnhuber vislumbram propostas
de soluções a serem construídas com
“ação-conhecimento”. Para a síndrome da Favela, por exemplo, pode-se
considerar as ações do Comitê para Democratização da Informática e Cidadania (CDI), um exemplo de
DLP, na medida em que a comunidade é protagonista nas diversas etapas do
planejamento, autoformação, busca de soluções, transformações desejadas com uso
da tecnologia. Fomenta-se o compromisso de ser agente de mudanças,
“reprogramador da vida e do mundo”, o que aparece nas histórias
transformadoras, narrativas sobre quais feitos foram
concretizados por essa rede tão heterogênea de participantes.
A
Agenda 21 foi um documento das Nações Unidas que buscava ser uma espécie de
roteiro rumo à sustentabilidade. Pretendia-se oferecer aos municípios as
ferramentas (planejamento participativo) e diretrizes para a modernização. Traduzir
o lema “pensar globalmente e agir localmente” para a ação de “pensar o federal,
articular o estadual e agir no municipal”. Ao se fazer um levantamento
dos resultados da Agenda 21 Brasileira, em relação às
metas propostas, concluiu-se que houve pouca inter-relação com o Plano
Plurianual (PPA), o que fez com que muitas intenções não saíssem do papel. Por
outro lado, identificaram-se diretrizes efetivamente aplicadas. Todas essas
experiências, somadas aos Planos
Diretores Participativos, reforçam a importância da boa sintonia entre
os atores locais para o sucesso entre planejamento e execução de políticas
públicas para o desenvolvimento sustentável. Consolida-se a percepção de que não
há um caminho pronto ou receita a seguir. Como disse o poeta:
“caminhante, o caminho se faz ao andar”, ao que a valorização do DLP adicionaria
a preferência por seguir em grupo ou em “tribos”.
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