quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A Alternativa do Desenvolvimento Local Participativo

Figura 1  Índio faz selfie durante a 4ª edição dos Jogos Tradicionais Indígenas no Pará. 




por Nathália Kneipp Sena


          Cultura e globalização abrangem ampla discussão de conceitos e posicionamentos sobre o fenômeno de todo indivíduo tornar-se o “ponto de encontro  de um vasto conjunto de traços culturais”,  no dizer de  Wallerstein.  Com  ícones da globalização, como o celular e a selfie do índio do Pará (foto), vem a ilusão de que estamos todos em um mesmo patamar civilizatório, unidos pelos símbolos e representações da vila global, com significados, benesses e problemas universais. Crê-se que tenhamos os mesmos valores, oportunidades, necessidades e, sobretudo, qualidade de vida. Tudo estaria sob a expectativa de proteção social via desenvolvimentismo, em que prevalece a espera da reprodutibilidade de um milagre via crescimento econômico. Esse Eldorado, the American dreamsupostamente nos alçaria ao sucesso de sermos produtores e consumidores  de mercadorias com alto valor agregado de tecnologia e inovação, a fonte de toda a felicidade humana, com uma natureza a ser explorada de forma cornucopiana. É no confronto entre expectativas e realidades que surgem as conversas e identidades a partir das tribos, com novos sentidos, como de grupos locais ou de busca, encontro e fruição de afinidades.

         Iniciativas que fomentam o Desenvolvimento Local Participativo (DLP) têm em comum a busca da ação comunicativa para se refletir sobre as realidades sociocomunitárias e o que pode ser feito para melhorar as condições de vida a partir de ações locais.  Para Poschman e Dowbor , o desenvolvimento local não visa mais o slogan “o negócio é ser pequeno”, como propunha Schumacher  e sim a articulação de várias territorialidades cujo potencial encontra-se subutilizado. Pensar global e agir localmente é aceitar que as situações diferem no microuniverso dos atores locais e isso requer políticas diversificadas que devem surgir a partir da interação e da participação dessas comunidades.  

Ilustração da autora, proposta com base no trabalho de Homström


           A essência de Habermas está em seu humanismo declarado, ao ter a humanização da sociedade como meta. Isso está expresso em sua crença de que a sociedade possa ser coordenada pelo princípio da argumentação, razão (reasoning) alcançada via diálogo, orientado por intersubjetividades, valores,  princípios norteadores para que o diálogo possa acontecer na esfera pública, via ação comunicativa. É esse conceito que aparece com freqüência nas atividades de DLP e, também nos trabalhos de extensão das universidades, quando se busca aproximar o problema de pesquisa ao problema social. A expressão invisible college, atribuída a Robert Boyle, no século 17, mantém-se em processo de semiose e foi ressignificada em 1972, quando Diana Crane a utilizou com o sentido de “redes de comunicação”, “círculo social”, “grupo de solidariedade”, no contexto do movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade. É na racionalidade da ação comunicativa que se encerram os esforços de popularização da ciência e a ausculta e valorização dos saberes tradicionais ou ancestrais.

“O desenvolvimento local participativo corresponde ao conjunto das ações que acontecem a partir do território, com o envolvimento direto da população, tendo como resultado a criação de riqueza e a dinamização da economia, a geração de trabalho e renda e a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida.” Leia mais sobre o conceito na Cartilha elaborada pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS)


         Em várias iniciativas, o DLP aparece indissociado de conceitos complementares como o de arranjo produtivo local (APL), podendo ser de subsistência (APLS) ou de “alívio da pobreza”; tecnologia social (TS), economia solidária (ES); economia criativa (EC); orçamento participativo (OP); planejamento estratégico participativo (PEP), desenvolvimento sustentável (DS) ou ecodesenvolvimento, entre outros. Peet e Hartwick, ao criticarem a economia clássica e neoclássica dizem não haver coerência entre o “vender coisas e fazer dinheiro ser a natureza humana”. Isso é observado quando se confronta os modelos atuais aos subsistemas sociais que prevaleceram por 99% da história do homo sapiens – coletar, caçar, organizar-se em tribos e comunidades agrícolas, como ocorreu na China, Egito e Roma. Em relação a essa crítica, percebe-se no contexto do DLP a intenção de se resgatar novas atribuições de sentido à organização socioeconômica e às necessidades coletivas, em que a qualidade de vida sobressaia entre as prioridades.

          Quando os atores locais são grupos étnicos, fala-se em etnodesenvolvimento local ou etnodesenvolvimento ambientalmente sustentável. Opõe-se a indigenismo integracionista. Para Little há conjugação de dois conceitos: a ideia de desenvolvimento econômico de um grupo étnico e o desenvolvimento da etnicidade de um grupo social. A proposta universalista de desenvolvimento econômico não pode ser simplesmente considerada como maléfica para os povos tribais e pequenos agricultores. Muitos buscam ativamente mais desenvolvimento nos padrões hegemônicos, ou seja, querem comprar tratores, carros, computadores, câmeras fotográficas e filmadoras, motores de popa e todos os bens e serviços que fazem com que um ser humano se localize na modernidade.  A opção pela atuação na esfera local é feita com o intuito de que nessa escala possa se incentivar uma autogestão étnica, em que não se abandone a herança cultural, riqueza e saberes ancestrais dessas comunidades, muito pelo contrário, que sejam valorizados e disseminados. Verdum acrescenta a esse contexto a possibilidade de se desenvolver capital social,  com fortalecimento da “energia social” e da autoestima individual e coletiva. Tal abordagem se diferencia em relação às antigas políticas indigenistas de integração, sinônimo de assimilação. Que possam deixar de ser tutelados, e passem a ser organizados segundo seus costumes, é a expectativa.

          Denominam-se “síndromes da mudança global” alguns processos não-sustentáveis de desenvolvimento em que certos males da degradação ambiental são experimentados na esfera global e local. No Brasil, incidem as síndromes da Favela, do Sahel (terras exauridas pelo cultivo) e da tempestade de areia (terras desertificadas pela ação humana). A palavra síndrome é usada como metáfora para designar esses problemas em que a ação humana degradou o meio ambiente, tornando-o hostil à sobrevida das populações. Luedeke, Petschel-Held e Schellnhuber vislumbram propostas de soluções a serem construídas com  “ação-conhecimento”. Para a síndrome da Favela, por exemplo, pode-se considerar as ações do Comitê para Democratização da Informática e Cidadania (CDI), um exemplo de DLP, na medida em que a comunidade é protagonista nas diversas etapas do planejamento, autoformação, busca de soluções, transformações desejadas com uso da tecnologia. Fomenta-se o compromisso de ser agente de mudanças, “reprogramador da vida e do mundo”, o que aparece nas histórias transformadoras, narrativas sobre quais feitos foram concretizados por essa rede tão heterogênea de participantes.

        A Agenda 21 foi um documento das Nações Unidas que buscava ser uma espécie de roteiro rumo à sustentabilidade. Pretendia-se oferecer aos municípios as ferramentas (planejamento participativo) e diretrizes para a modernização. Traduzir o lema “pensar globalmente e agir localmente” para a ação de “pensar o federal, articular o estadual e agir no municipal”. Ao se fazer um levantamento dos resultados da Agenda 21 Brasileira, em relação às metas propostas, concluiu-se que houve pouca inter-relação com o Plano Plurianual (PPA), o que fez com que muitas intenções não saíssem do papel. Por outro lado, identificaram-se diretrizes efetivamente aplicadas. Todas essas experiências, somadas aos Planos Diretores Participativos,  reforçam a importância da boa sintonia entre os atores locais para o sucesso entre planejamento e execução de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. Consolida-se a percepção de que não há um caminho pronto ou receita a seguir. Como disse o poeta: “caminhante, o caminho se faz ao andar”, ao que a valorização do DLP adicionaria a preferência por seguir em grupo ou em “tribos”.

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