quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A Ciência Emergente da Sustentabilidade

Foto: Floresta amazônica e áreas de pastagem, região do médio rio Tapajós, próximo ao município de Itaituba, Pará.
Cristina Romana, 2008.



por Lígia Valadão

O ano de 2015 apresentou um aumento de 16% no índice de desmatamento na região amazônica. Assim, a preocupação em relação a problemática desenvolvimento e meio ambiente volta à tona com muitos questionamentos. Será que a ação humana impacta o ambiente a níveis preocupantes para a manutenção da vida no planeta? Quais seriam os cenários previstos em relação ao nosso futuro? A ciência da sustentabilidade nos dá pistas em relação ao modo como devemos agir em direção a formas mais sustentáveis de vida. As sociedades, cada vez mais, precisam de informações, parâmetros, perspectivas que dêem a possibilidade de conciliar a diminuição dos riscos ambientais e, ao mesmo tempo, a continuidade ao desenvolvimento de objetivos econômicos e sociais [1]. Então, quais seriam os grandes desafios a serem enfrentados para alcançarmos um novo paradigma, pautado na sustentabilidade do planeta? É sobre estes temas que trataremos no ensaio, com base em estudiosos que discutem a ciência da sustentabilidade na contemporaneidade.
Se é verdade que o planeta terra já passou por diversos períodos de mudanças climáticas, é a primeira vez na história que uma mudança importante está sendo ocasionada pela ação humana. O antropoceno é o nome deste período, sobre o qual a humanidade surge como uma força global tão importante que está sendo capaz de remodelar a expressão do planeta [2]. Estudiosos [3] afirmam que provavelmente 50% da superfície da Terra não coberta por gelo já foi transformada pela ação humana, as terras agrícolas duplicaram no século passado a custo das florestas, que declinaram 20% ao longo do mesmo período. Devido à queima de combustíveis fósseis , atividades agrícolas, desmatamento, e pecuária intensiva, muitos importantes gases de efeito estufa substancialmente aumentaram na atmosfera ao longo dos dois séculos passados, ocasionando o aumento na temperatura em 0,6oC.
No estudo sobre uma ciência para a sustentabilidade global [2],  os autores afirmam que até a metade do próximo século haverá o aumento de 50% da população, da demanda de alimentos em 80%, da infraestrutura urbana em 100%, e em 200% da demanda por energia. Além disso, a previsão é que até 2050 a temperatura global aumente no mínimo em 2oC, o que ocasionará consequências ambientais preocupantes. Em razão de uma sobrecarga na biosfera, muitas funções ecossistêmicas serão alteradas e com isso necessidades humanas poderão não ser supridas, sistemas de vida poderão ser degradados, aumentando a possibilidade de agravamento da fome e da pobreza no mundo.
De modo a impedir essa tendência, a comunidade acadêmica aposta na sustentabilidade. Mas o que seria a sustentabilidade? O marco histórico é o da Comissão de Brudtland, de 1987, que define o termo desenvolvimento sustentável como aquele que “atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem as suas próprias necessidades” . Este conceito foi amplamente difundido na Rio-92 [4] e tem um enfoque importante no termo “necessidade”, em relação ao atendimento das necessidades das populações pobres do planeta, e nas “limitações”, em relação ao uso racional dos recursos naturais, considerando a sua capacidade de suporte e a sua resiliência.
Uma nova revolução na ciência deve considerar a terra como um “planeta vivo”, que opera em um sistema dinâmico e singular [2]. Um dos grandes desafios é enfrentar a estrutura disciplinar dominada pela academia, que vai contra as necessidades de direcionar os aspectos interdisciplinares dos grandes desafios da sociedade [1]. A ciência completamente acadêmica, monodisciplinar, deve ser substituída por um novo paradigma em que a ciência é inter e intra disciplinar, e os cientistas são parte de uma rede heterogênea, em conjunto com outros atores sociais [5].

Elementos centrais da ciência da sustentabilidade [5].
1. Pesquisa intra e interdisciplinar
2. Co-produção de conhecimento
3. Co-evolução de um sistema complexo e o seu ambiente
4. Aprendendo pela prática e fazendo pelo aprendizado
5. Sistemas de inovação, ao invés de sistemas de otimização

Mesmo com a intenção de lidar com os aspectos interdisciplinares dos grandes desafios da sociedade, como a ciência da sustentabilidade pode lidar com o atual quadro de insustentabilidade do planeta? Vejamos. Quando mencionamos insustentabilidade, ela está relacionada à limitação dos recursos naturais disponíveis e ao enorme quadro de desigualdade social, especialmente entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Explicaremos melhor. A desigualdade de acesso aos recursos é enorme, nos anos 2000, 20% da população esteve a frente do consumo de 80% dos recursos naturais e da poluição emitida [6] . Mas, evidentemente, o crescimento econômico continua sendo base para toda e qualquer proposta de desenvolvimento dos países, sejam eles ricos ou pobres. E vão crescer economicamente (como o caso da China ou mesmo do Brasil) e atingir melhores níveis de vida, mas, infelizmente, a custo da nossa natureza, de seus recursos disponíveis, e com uma enorme emissão de poluentes na nossa atmosfera, no nosso solo, nas nossas águas.
Além disso, o maior problema está nos países em desenvolvimento [7]. Nestes países são previstas as maiores concentrações urbanas do mundo, são os locais onde as pressões sobre as florestas são maiores, pois há um mercado globalizado que “força” a abertura de novas áreas mediante as demandas por produtos agrícolas e minerais (commodities). O caso da soja na Amazônia e sua relação com o desmatamento da região é emblemático [7]. Assim, os países em desenvolvimento estão à mercê de um mercado global [8],  que reforça sua situação de países periféricos numa economia global, eles estão subjugados aos interesses econômicos externos! E convertem áreas de floresta, espaços de agricultura familiar, para atender aos interesses de grandes corporações internacionais. Muitos países pobres ficam viciados neste sistema, e estão na extremidade prejudicada da relação comercial, pois seus recursos são depreciados (e na maior parte das vezes não retornam mais ao estado original), há pouco investimento social, além disto, estão dependentes de agentes externos para movimentar a sua economia. Isso impede o próprio desenvolvimento da região, de forma mais autônoma e sustentada [9] .
A universidade não pode estar alheia a estas problemáticas. O conhecimento não pode ser produzido para, apenas, formar novos profissionais em áreas específicas. E especializar, especializar, especializar, com graduações, mestrados e doutorados que nada têm de contribuição social para a nossa realidade. A ciência, e, especialmente, a ciência da sustentabilidade, não pode ignorar as relações de poder existentes entre as economias dos países, entre os interesses das elites abastadas economicamente, que forçam a depreciação da natureza e o agravamento da desigualdade social. A ciência precisa reconhecer que todo o conhecimento está alicerçado em um contexto sócio-histórico. Assim, a ciência da sustentabilidade, conforme mencionamos, é um tipo de conhecimento aplicado, que precisa ser “calibrado” de acordo com locais específicos, fruto de uma pesquisa multi-escalar, integrada, que conecta perspectivas locais, regionais e globais para produzir entendimento do que é verdadeiro para lugares específicos [2,10]. É a “epistemologia ambiental” de Enrique Leff [11], em que o ambiente problematiza as ciências, em uma articulação dos campos de saber que permite um pensamento integrador da realidade. Este saber deve ser uma escolha política, uma militância em nome dos mais prejudicados, que, absolutamente, precisam e têm o direito de se desenvolver, às suas maneiras, de acordo com a sua realidade e seus desejos, inserindo a necessidade de respeitar os limites ecológicos do planeta.



Bibliografia consultada:
[1] Reid, W.V. et al. 2010. Earth System Science for Global Sustainability: Grand Challenges. Science.
[2] Clark, William C., P. J. Crutzen, and H. J. Schellnhuber. 2004. Science for global sustainability. In Earth Systems Analysis for Sustainability, eds. H. J. Schellnhuber, P. J. Crutzen, W. C. Clark, C. Martin and H. Hermann, 1-28. Cambridge, MA: MIT Press.

[3] Steffen, W. L. et al. 2004. Global Change and the Earth System: A Planet Under Pressure. Stockholm : IGBP Secretariat.

[4] Bursztyn, Maria Augusta Almeida e Bursztyn, Marcel. 2006. Desenvolvimento Sustentavel: biografia de um conceito. In: Nascimento, E.P. e Viana, J.N.S. Economia, Meio Ambiente e Comunicação. Rio de Janeiro: Editora Garamond.
[5] Martens, P. 2006. Sustainability science or fiction. Sustainability: science, practice and policy.
[6] Léna, P. 2012. Os limites do crescimento econômico e a busca pela sustentabilidade: uma introdução ao debate. In: Léna, P. e Nascimento, E.P. Enfrentando dos limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade. Rio de Janeiro, Garamond

[7] DeFries, R., Asner, G.P., Foley, J. 2006. A Glimpse out the window: landscapes, livelihoods and the environment. Environment

[8] Drummond, José Augusto. 2002. Natureza rica, povos pobres? Questões conceituais e analíticas sobre o papel dos recursos naturais na prosperidade contemporânea. Ambiente e Sociedade, n.10.

[9] Sachs, Ignacy. 2004 Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro, Garamond.

[10] Kates, R. 2011. What kind of a science is sustainability science? PNAS

[11] Leff, Enrique. 2002. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Editora Cortez.


Para saber mais:
Floriani, D. 2000. Diálogos interdisciplinares para uma agenda socioambiental: breve inventário do debate sobre ciência, sociedade e natureza. Desenvolvimento e meio ambiente, n.1, p.21-39.

Morin, E. 1998. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

Phillpi Jr., A,   Tucci, C.E.M.,  Hogan, D. J., Navegantes,  R. 2000. Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais. São Paulo: Signus Editora.



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