Foto: Floresta amazônica e áreas de pastagem, região do médio rio Tapajós, próximo ao município de Itaituba, Pará. Cristina Romana, 2008. |
por Lígia Valadão
O ano
de 2015 apresentou um aumento de 16% no índice de desmatamento na região amazônica. Assim, a preocupação em relação a problemática desenvolvimento e meio ambiente volta à tona com muitos
questionamentos. Será que a ação humana impacta o ambiente a níveis
preocupantes para a manutenção da vida no planeta? Quais seriam os cenários
previstos em relação ao nosso futuro? A ciência da sustentabilidade nos dá
pistas em relação ao modo como devemos agir em direção a formas mais
sustentáveis de vida. As sociedades, cada vez mais, precisam de informações,
parâmetros, perspectivas que dêem a possibilidade de conciliar a diminuição dos
riscos ambientais e, ao mesmo tempo, a continuidade ao desenvolvimento de
objetivos econômicos e sociais [1]. Então, quais seriam os grandes desafios a serem
enfrentados para alcançarmos um novo paradigma, pautado na sustentabilidade do
planeta? É sobre estes temas que trataremos no ensaio, com base em estudiosos
que discutem a ciência da sustentabilidade na contemporaneidade.
Se é
verdade que o planeta terra já passou por diversos períodos de mudanças climáticas, é a primeira vez na história que uma mudança
importante está sendo ocasionada pela
ação humana. O antropoceno é o nome
deste período, sobre o qual a humanidade surge como uma força
global tão importante que está sendo capaz de remodelar a expressão do planeta [2]. Estudiosos [3] afirmam que provavelmente 50% da superfície da Terra não
coberta por gelo já foi transformada pela ação humana, as terras agrícolas
duplicaram no século passado a custo das florestas, que declinaram 20% ao longo
do mesmo período. Devido à queima de combustíveis fósseis , atividades agrícolas, desmatamento, e pecuária intensiva, muitos
importantes gases de efeito estufa substancialmente aumentaram na atmosfera ao
longo dos dois séculos passados, ocasionando o aumento na temperatura em 0,6oC.
No
estudo sobre uma ciência para a sustentabilidade global [2],
os
autores afirmam que até a metade do próximo século haverá o aumento de 50% da população, da demanda de
alimentos em 80%, da infraestrutura urbana em 100%, e em 200% da demanda por
energia. Além disso, a previsão é que até 2050 a temperatura global aumente no
mínimo em 2oC, o que ocasionará consequências ambientais preocupantes. Em razão de uma sobrecarga na biosfera, muitas funções ecossistêmicas serão alteradas e com isso necessidades humanas poderão não ser supridas,
sistemas de vida poderão ser degradados, aumentando a possibilidade de
agravamento da fome e da pobreza no mundo.
De modo
a impedir essa tendência, a comunidade acadêmica aposta na sustentabilidade.
Mas o que seria a sustentabilidade? O marco histórico é o da
Comissão
de Brudtland, de 1987, que define o
termo desenvolvimento sustentável como aquele que “atende as necessidades do presente sem
comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem as suas próprias
necessidades” . Este conceito foi amplamente
difundido na Rio-92 [4] e tem um enfoque importante no termo “necessidade”, em relação ao
atendimento das necessidades das populações pobres do planeta, e nas “limitações”,
em relação ao uso racional dos recursos naturais, considerando a sua capacidade
de suporte e a sua resiliência.
Uma
nova revolução na ciência deve considerar a terra como um “planeta vivo”, que
opera em um sistema dinâmico e singular [2]. Um dos grandes desafios é enfrentar a estrutura disciplinar dominada pela
academia, que vai contra as necessidades de direcionar os aspectos interdisciplinares
dos grandes desafios da sociedade [1]. A ciência
completamente acadêmica, monodisciplinar, deve ser substituída por um
novo paradigma em que a ciência é inter
e intra disciplinar, e os cientistas são parte de uma rede heterogênea, em conjunto com outros atores sociais [5].
Elementos centrais da ciência da
sustentabilidade [5].
|
1. Pesquisa intra e interdisciplinar
|
2. Co-produção de conhecimento
|
3. Co-evolução de um sistema complexo e o seu
ambiente
|
4. Aprendendo pela prática e fazendo pelo
aprendizado
|
5. Sistemas de inovação, ao invés de
sistemas de otimização
|
Mesmo
com a intenção de lidar com os aspectos interdisciplinares dos grandes desafios
da sociedade, como a ciência da sustentabilidade pode lidar com o atual quadro
de insustentabilidade do planeta? Vejamos. Quando mencionamos
insustentabilidade, ela está relacionada à limitação dos recursos naturais disponíveis e ao enorme quadro de desigualdade social, especialmente entre os
países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Explicaremos melhor. A
desigualdade de acesso aos recursos é enorme, nos anos 2000, 20% da população esteve
a frente do consumo de 80% dos recursos naturais e da poluição emitida [6] . Mas, evidentemente, o crescimento econômico continua sendo base para toda e qualquer proposta de
desenvolvimento dos países, sejam eles ricos ou pobres. E vão crescer
economicamente (como o caso da China ou mesmo do Brasil) e atingir melhores
níveis de vida, mas, infelizmente, a custo da nossa natureza, de seus recursos
disponíveis, e com uma enorme emissão de poluentes na nossa atmosfera, no nosso
solo, nas nossas águas.
Além
disso, o maior problema está nos países em desenvolvimento [7]. Nestes países são previstas as maiores concentrações
urbanas do mundo, são os locais onde as pressões sobre as florestas são maiores,
pois há um mercado globalizado que “força” a abertura de novas áreas mediante as
demandas por produtos agrícolas e minerais (commodities). O caso da soja na
Amazônia e sua relação com o desmatamento da região é emblemático [7]. Assim, os países em desenvolvimento estão à mercê de um
mercado global [8], que reforça sua situação de países
periféricos numa economia global, eles estão subjugados aos interesses
econômicos externos! E convertem áreas de floresta, espaços de agricultura
familiar, para atender aos interesses de grandes corporações internacionais. Muitos
países pobres ficam viciados neste sistema, e estão na extremidade prejudicada
da relação comercial, pois seus recursos são depreciados (e na maior parte das
vezes não retornam mais ao estado original), há pouco investimento social, além
disto, estão dependentes de agentes externos para movimentar a sua economia. Isso
impede o próprio desenvolvimento da região, de forma mais autônoma e sustentada
[9] .
A universidade
não pode estar alheia a estas problemáticas. O conhecimento não pode ser
produzido para, apenas, formar novos profissionais em áreas específicas. E
especializar, especializar, especializar, com graduações, mestrados e
doutorados que nada têm de contribuição social para a nossa realidade. A
ciência, e, especialmente, a ciência da sustentabilidade, não pode ignorar as
relações de poder existentes entre as economias dos países, entre os interesses
das elites abastadas economicamente, que forçam a depreciação da natureza e o
agravamento da desigualdade social. A ciência precisa reconhecer
que todo o conhecimento está alicerçado em um contexto sócio-histórico. Assim,
a ciência da sustentabilidade, conforme mencionamos, é um tipo de conhecimento
aplicado, que precisa ser “calibrado” de acordo com locais específicos, fruto
de uma pesquisa
multi-escalar, integrada, que conecta perspectivas locais, regionais e globais
para produzir entendimento do que é verdadeiro para lugares específicos [2,10]. É a
“epistemologia ambiental” de Enrique Leff [11], em que o ambiente problematiza as ciências, em uma articulação
dos campos de saber que permite um pensamento integrador da realidade. Este
saber deve ser uma escolha política, uma militância em nome dos mais
prejudicados, que, absolutamente, precisam e têm o direito de se desenvolver,
às suas maneiras, de acordo com a sua realidade e seus desejos, inserindo a
necessidade de respeitar os limites ecológicos do planeta.
Bibliografia
consultada:
[1] Reid, W.V. et al. 2010. Earth System
Science for Global
Sustainability: Grand Challenges. Science.
[2]
Clark, William C., P. J. Crutzen, and H. J. Schellnhuber. 2004. Science for
global sustainability. In Earth Systems
Analysis for Sustainability, eds. H. J. Schellnhuber, P. J. Crutzen, W. C.
Clark, C. Martin and H. Hermann, 1-28. Cambridge, MA: MIT Press.
[3] Steffen, W. L. et al. 2004. Global Change and the Earth
System: A Planet Under Pressure. Stockholm : IGBP
Secretariat.
[4] Bursztyn, Maria Augusta Almeida e Bursztyn,
Marcel. 2006. Desenvolvimento Sustentavel: biografia de um conceito. In:
Nascimento, E.P. e Viana, J.N.S. Economia,
Meio Ambiente e Comunicação. Rio de Janeiro: Editora Garamond.
[5] Martens, P. 2006. Sustainability science or
fiction. Sustainability: science, practice and
policy.
[6] Léna,
P. 2012. Os limites do crescimento econômico e a busca pela sustentabilidade:
uma introdução ao debate. In: Léna, P. e Nascimento, E.P. Enfrentando dos limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento
e prosperidade. Rio de Janeiro, Garamond
[7] DeFries, R., Asner, G.P., Foley, J. 2006. A Glimpse out the window: landscapes, livelihoods and
the environment. Environment
[8] Drummond, José Augusto. 2002. Natureza
rica, povos pobres? Questões conceituais e analíticas sobre o papel dos
recursos naturais na prosperidade contemporânea. Ambiente e Sociedade, n.10.
[9] Sachs, Ignacy. 2004 Desenvolvimento
includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro, Garamond.
[10] Kates, R. 2011. What kind of a science is
sustainability science? PNAS
[11]
Leff, Enrique. 2002. Epistemologia
Ambiental. São Paulo: Editora Cortez.
Para saber mais:
Floriani, D. 2000. Diálogos interdisciplinares para uma agenda
socioambiental: breve inventário do debate sobre ciência, sociedade e natureza.
Desenvolvimento e meio ambiente, n.1,
p.21-39.
Morin,
E. 1998. Ciência com consciência.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
Phillpi
Jr., A, Tucci, C.E.M.,
Hogan, D. J., Navegantes, R. 2000.
Interdisciplinaridade em Ciências
Ambientais. São Paulo: Signus Editora.
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