quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A (In) Sustentabilidade dos Instrumentos da Política Ambiental

Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana. Fonte

por Márcia Helena Lopes


        Há pouco mais de um mês os brasileiros (e a comunidade mundial) foram surpreendidos com as imagens estarrecedoras de uma onda de lama [1] que silenciosamente cobriu a maior parte do distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, em Minas Gerais. A lama, todo o rejeito de uma barragem de mineração rompida, assoreou completamente o rio Gualaxo do Norte e o rio do Carmo, atingindo o rio Doce até alcançar sua foz, deixando atrás de si a marca da destruição. Uma questão inquietante é que, não sendo o desastre decorrente de causas naturais, poderia ter sido evitado. No momento em que o Congresso Nacional discute caminhos para facilitar o licenciamento ambiental de grandes obras de infraestrutura, ditas de interesse governamental, Mariana escancara a realidade do país. Coloca na pauta do dia o descompasso e a fragilidade dos instrumentos de gestão do meio ambiente.



         A Lei Nº6.938/81 (LPNMA) [2], marco legal da política ambiental brasileira, estabeleceu as condições para uma atuação coordenada do Estado, definindo os objetivos, as diretrizes e os instrumentos de gestão do meio ambiente. No campo institucional, a LPNMA criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), organizando sistemicamente todas as entidades públicas (federal, estadual e municipal), já existentes e ligadas à elaboração e execução da política ambiental. A mesma norma ainda leva o crédito de ter instituído o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) órgão colegiado com ampla representatividade (poder público, segmentos do setor produtivo, cientistas, sociedade civil) concentrando funções técnicas, consultivas e deliberativas. Trocando em miúdos, a LPNMA é, ainda hoje, a norma referência para a atuação do poder público na proteção do meio ambiente. O segundo e mais importante marco legal veio com a Constituição Federal de 1988 [3] (artigo 225) após declarar o meio ambiente um direito fundamental, atribuiu ao poder público o status de principal guardião desse direito, dando-lhe atribuições específicas para tal.

          O licenciamento ambiental tem sido entendido como a principal ferramenta de controle das atividades geradoras de impactos ambientais. Oriundo da geração de comando e controle, o licenciamento visa uma intervenção preventiva do poder público, de modo a se antecipar aos possíveis danos produzidos pelas atividades econômicas consideradas efetiva ou potencialmente impactantes. Este caráter foi fortalecido pela vinculação dos estudos de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) ao procedimento de licenciamento. Existem três tipos de licenças: licença prévia, licença de instalação e licença de operação. Cada licença representa uma fase do licenciamento e implica o cumprimento de uma série de requisitos previamente definidos pelo órgão licenciador. Estes requisitos podem envolver a obrigação do empreendedor realizar estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA), adotar medidas mitigatórias e medidas compensatórias, implementar planos de controle ambiental e outros. Por meio do licenciamento espera-se o máximo de controle do poder público sobre o amplo espectro de atividades que implicam, direta ou indiretamente, riscos para o ambiente e para a sociedade. Este é o alvo, atingi-lo ou não, vai depender da habilidade do arqueiro.

         Uma das dificuldades detectadas pelas agências ambientais (federal, estaduais e municipais) é o acompanhamento da fase pós-licenciamento. A capacidade dos órgãos licenciadores para a fiscalização enfrenta desafios quantitativos – crescente demanda e caráter cumulativo; e qualitativos – aumento da complexidade dos sistemas produtivos. A estes fatores soma-se a carência de pessoal técnico e recursos financeiros e logísticos. Interesses políticos e econômico também são apontados como fator do relaxamento do Estado em sua responsabilidade fiscalizadora. Outro aspecto importante a ser considerado é o processo participativo no licenciamento ambiental.  Normalmente ele se restringe à discussão do estudo ambiental durante as audiências públicas, nos quais qualquer cidadão pode participar e manifestar sua opinião.  Considerando a natureza técnica desses estudos, podemos questionar sobre as chances das pessoas comuns sustentarem um debate com os especialistas contratados pelo próprio empreendedor, e que geralmente apresentam a proposta ao público. O desafio é criar novos e mais amplos canais de participação pública no licenciamento ambiental, de forma a possibilitar que nós, meros mortais, possamos melhor nos aproximar da condição de sujeitos do processo.

Fonte



         O licenciamento ambiental têm sido tema recorrente e polêmico, produzindo acalorados debates, quando o assunto é o desenvolvimento nacional. Enquanto ambientalistas defendem o seu aprimoramento e fortalecimento como mecanismo de prevenção dos danos socioambientais, políticos comprometidos com interesses econômicos advogam sua flexibilização. O Projeto de Lei do Senado (PLS) Nº 654/2015 [4] é o mais atual exemplo deste posicionamento, pois prevê a simplificação do procedimento de licenciamento para empreendimentos (geralmente de infraestrutura) considerados, unilateralmente pelo executivo, estratégicos para o crescimento do país. É a velha e ruim oposição entre desenvolvimento e meio ambiente. Esta questão ganha maior relevo no cenário nacional com o desastre ambiental em Mariana, que dentre outras questões evidenciou a falta de segurança e os riscos à que estão expostos as populações e o meio ambiente. Neste momento, o Sistema Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (SISEMA) está passando por uma revisão, que na teoria visa seu aprimoramento. No entanto, as propostas apresentadas no PL/MG Nº 2.946/2015 [5], ao invés de atacar problemas como falta de condições operacionais, humanas e financeira dos órgãos ambientais e o excesso de intervenção política na gestão ambiental, focam em formas de agilizar os licenciamentos e priorizar os empreendimentos. Assim como no âmbito federal, o discurso é o mesmo: priorizar o crescimento econômico. Podemos nos perguntar em qual medida a flexibilização deste importante instrumento garantirá o desenvolvimento do país e a justiça socioambiental.


Referência bibliográfica:

BURSZTYN, Marcel; BURSZTYN, Maria Augusta. Fundamentos de Política e Gestão Ambiental. Caminhos para a sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.

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