quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Convivendo em Contextos de Incerteza e Complexidade

Foto: Germano Lüders. Fonte


por Andrés Burgos

O número de casos de microcefalia se multiplica numa escalada sem precedentes no Brasil. A hipótese da relação entre o Zika Virus (transmitido pelo Aedes aegypti, o mesmo mosquito que provoca a dengue) e esses casos de má formação em recém-nascidos é mais uma evidência de como a degradação ambiental (aumento de temperatura, falta de saneamento básico e dificuldades no abastecimento de água, dentre outros fatores), favorece a proliferação do vetor e, portanto, ameaça a saúde humana. Desequilíbrios nos ecossistemas representam um risco crescente para a saúde humana e para a sustentabilidade do planeta, porém afetando especialmente os mais pobres.  
A espécie humana, embora “protegida” de mudanças ambientais pela cultura e pela tecnologia, depende fundamentalmente da conservação dos ecossistemas e da biodiversidade que estes abrigam. Isto é, a erosão da diversidade da natureza viva e dos sistemas naturais no planeta Terra repercute, direta ou indiretamente, sobre o bem-estar humano uma vez que essa degradação compromete o funcionamento dos ecossistemas e sua capacidade de gerar serviços essenciais para a sociedade.
O entendimento da dinâmica dos ecossistemas requer um esforço de identificação das chamadas funções ecossistêmicas, as quais podem ser definidas como as constantes interações existentes entre a estrutura e os processos ecológicos de um ecossistema, incluindo transferência de energia, ciclagem de nutrientes, controle biológico e regulação do ciclo da água. As funções dos ecossistemas são essências para a qualidade de vida dos seres humanos porque por meio delas obtemos benefícios em forma de serviços ambientais [1]. Tais benefícios abrangem serviços de provisão, reguladores, culturais e de suporte, incluindo, entre outros: provisão de alimentos, regulação e oferta de água, ciclagem de nutrientes, regulação climática, retenção e formação do solo, satisfação espiritual e apreciação estética.
Já parou para pensar o que têm em comum animais como as abelhas, vespas e formigas e outros como a cotia e o mico-leão-dourado? Os primeiros polinizam as plantas, que, enquanto crescem, sequestram carbono da atmosfera. Já os segundos, ajudam as florestas e matas dispersando sementes. Todos estes são exemplos de animais que fornecem um serviço essencial ao ecossistema e trazem inúmeros benefícios à sociedade mediante seu papel de produção de alimento, além de melhorias nos meios de subsistência, desenvolvimento científico, cultural e recreação, e na conservação dos habitats naturais.

Foto: Carlos Ayesta. Fonte


Mas, do ponto de vista econômico, quanto “valem” os serviços ecossistêmicos? Reconhecendo a multidimensionalidade do valor dos serviços dos ecossistemas, a valoração econômica vem sendo incorporada na base da avaliação desses serviços, junto às dimensões biofísica e sociocultural [2]. A dimensão monetária é determinada principalmente pelos benefícios que obtemos dos ecossistemas e que têm um reflexo no valor estimado no mercado. O modo direto de cálculo da utilidade econômica de um serviço ecossistêmico consiste na estimativa da disposição a pagar (ou a receber) dos agentes econômicos por desfrutar (ou manter) tal serviço. Dessa valoração surge o conceito de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), definido como uma transação voluntária, na qual um serviço ambiental bem definido, ou um uso da terra que possa assegurar este serviço, é adquirido por um comprador de um provedor, sob a condição de que o provedor garanta a provisão do serviço [3].
Sob essa perspectiva, por exemplo, o valor do serviço de polinização, à escala nacional, foi estimado na faixa de 1% a 16% do valor de mercado da produção agrícola [4]. As técnicas de valoração ambiental também foram aplicadas para estimar o valor anual dos fluxos globais de 17 serviços em 16 tipos de ecossistemas [5]. Os resultados desse estudo mostram que o capital natural da Terra rende, anualmente, um fluxo médio estimado de US$ 33 trilhões (a preços de 1994) por ano, valor 1,8 vezes superior ao produto bruto mundial (US$ 18 trilhões) desse mesmo ano.
Contudo, embora explicitar esses custos possa incentivar a conservação dos recursos naturais ou sua utilização sustentável, algumas críticas à valoração ambiental ressaltam o fato de que as técnicas baseiam-se apenas no funcionamento do livre mercado. Isso significa pressupor (e aceitar) que o verdadeiro valor dos serviços ecossistêmicos pode ser devidamente expresso mediante o ordenamento das preferências individuais e revelado sem vieses pelos agentes econômicos [6].
O esforço por sistematizar as informações relativas aos serviços ecossistêmicos e sua contribuição para o bem-estar humano tem aumentado a partir da publicação da Avaliação Ecossistêmica do Milênio [7]. Esse empenho para desvendar a saúde dos ecossistemas do planeta e sua relação com a manutenção da vida demonstra o fato de que a comunidade internacional reconhece a necessidade e a urgência de se tomarem medidas inovadoras para proteger os ecossistemas, dosando a sua preservação com os objetivos de desenvolvimento [8]. Isso porque a degradação dos ecossistemas e as alterações nos fluxos de serviços ecossistêmicos representam uma barreira significativa para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) [9], assim como para as metas contempladas recentemente nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) [10].
Agora sabemos definitivamente que os seres humanos tornaram-se um primeiro vetor de mudança em nível planetário, alterando significativamente os processos químicos, biológicos e físicos da Terra. Há evidências crescentes e consenso científico de que os seres humanos estão levando o sistema terrestre a limites ou pontos críticos, colocando em risco as condições do planeta das quais dependemos para continuar tendo (ou aspirando a ter) uma alta qualidade de vida [11] [12]. Isso tem estimulado que alguns cientistas comecem a usar o termo Antropoceno [13] para descrever o período mais recente na história do planeta no qual as atividades humanas começaram a ter um impacto global significativo no clima da Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas.

Foto: Cristiana Ceppas. Fonte


Parece evidente que estudar as relações entre natureza e sociedade envolve analisar uma via de mão dupla: como os seres humanos afetam à integridade dos ecossistemas e, como estes repercutem no bem-estar humano. Reconhece-se que o uso que as pessoas fazem da natureza está embutido no sistema socioeconômico (seus valores, relações sociais e políticas, direito de uso, leis, governança, mercado e relações econômicas, etc.). Desta maneira, o conceito de “sistemas socioecológicos” está sendo usado para evidenciar essa interdependência entre os processos e componentes sociais e ecológicos, assim como contexto de estudo da gestão da sustentabilidade [14].
Os sistemas socioecológicos são sistemas complexos adaptativos, hierarquicamente estruturados e auto-organizados. Enquanto sistemas complexos, tais sistemas apresentam várias características, como variabilidade, retroações, limiar, incerteza e resiliência que determinam seu funcionamento. Entender estas propriedades é essencial para compreender a dinâmica destes sistemas como um todo e seus processos de mudança, de maneira a assegurar a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas e suas contribuições para o bem-estar humano.
“Um bom exemplo de um sistema socioecológico é a fronteira amazônica, onde múltiplos grupos de interesse (madeireiros, agricultores, pecuaristas, assentados, indígenas e conservacionistas) interagem em busca de múltiplos objetivos (produção, lucro, equidade, conservação e manutenção cultural); onde os fatores biofísicos (como água, clima e biodiversidade) afetam e são afetados por essas atividades sociais e econômicas; e onde múltiplos fatores, internos e externos, vindo das escalas locais, nacionais e internacionais (desde políticas públicas e aplicação das leis, à cultura, poder e eficácia de diferentes discursos) influenciam sua dinâmica” [15, p.2].
Os riscos e os desafios globais urgentes enfrentados por todas as nações estão interligados: redução da pobreza; desenvolvimento econômico; estabilidade política; poluição; segurança alimentar; saúde; mudanças climáticas; perda de biodiversidade, para citar apenas alguns. Por sua vez, satisfazer as necessidades básicas da humanidade não é possível sem um ecossistema global funcionalmente saudável. Diante disso, entender essas interligações, mediante a construção de uma ideologia baseada numa ética ambiental e social, é fundamental para enfrentar esses desafios globais e melhorar o bem-estar de todas as sociedades.


Referências bibliográficas
[1] WEST, A. 2015. Core Concept: Ecosystem services. PNAS, 112(24): 7337-7338. Disponível em: <http://www.pnas.org/content/112/24/7337.full.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[2] BISHOP J. et al. 2010. A economia dos ecossistemas e da Biodiversidade- TEEB para o Setor de Negócios: sumário executivo. Trad. de Confederação Nacional da Indústria – CNI. Disponível em: <http://www.teebweb.org/media/2008/05/TEEB-Interim-Report_Portuguese.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[3] WUNDER, S. 2005. Payments for environmental services: some nuts and bolts. CIFOR Occasional paper 42. Center for International Forestry Research, Bogor, Indonesia. Disponível em: <http://www.cifor.org/publications/pdf_files/OccPapers/OP-42.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[4] HEIN, L. 2009. The Economic Value of the Pollination Service, a Review Across Scales. The Open Ecology Journal, 2: 74-82 . Disponível em: <http://benthamopen.com/contents/pdf/TOECOLJ/TOECOLJ-2-1-74.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[5] CONSTANZA, R. et al. 1997. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, 387: 253-260. Disponível em: <http://www.esd.ornl.gov/benefits_conference/nature_paper.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[6] AMAZONAS, M. de C.. Valor ambiental em uma perspectiva heterodoxa institucional-ecológica. Anais do XXXIV Encontro Nacional de Economia (ANPEC) –Salvador, 5 a 8 de dezembro. 2006. Disponível em: <http://www.anpec.org.br/encontro2006/artigos/A06A182.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[7] MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT. 2005. Ecosystems and human well-being: general synthesis. Island Press: Washington. Disponível em: <http://www.millenniumassessment.org/documents/document.356.aspx.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[8] UNDP. 2014. Human Development Report 2014: Sustaining Human Progress – Reducing Vulnerabilities and Building Resilience. UN: New York. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/arquivos/rdh2014.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[9] UNDP. 2015. The Millennium Development Goals Report 2015. UN: New York. Disponível em: <http://www.un.org/millenniumgoals/2015_MDG_Report/pdf/MDG%202015%20rev%20(July%201).pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[10] UNDP. 2014. The road to dignity by 2030: ending poverty, transforming all lives and protecting the planet. Synthesis report of the Secretary-General on the post-2015 sustainable development agenda. UN: New York. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/arquivos/relatorio_sintese_ods.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[11] BARNOSKY et al. 2014. Introducing the Scientific Consensus on Maintaining Humanity’s Life Support Systems in the 21st Century: Information for Policy Makers. The Anthropocene Review, 1(1): 78-109. Disponível em: <http://anr.sagepub.com/content/1/1/78.full.pdf+html> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[12] STEFFEN, W. et al. 2004. Global change and the earth system: A planet under pressure. The IGBP global change series. Berlin: Springer- Verlag. Disponível em: <http://www.igbp.net/download/18.56b5e28e137d8d8c09380001694/1376383141875/Springer+IGBP+Synthesis+Steffen+et+al+(2004)_web.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[13] STEFFEN, W. et al. 2011. The Anthropocene: From Global Change to Planetary Stewardship. AMBIO, 40: 739-761. Disponível em: <http://www-ramanathan.ucsd.edu/files/pr185.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[14] HOLLING, C. S. 2001. Understanding the complexity of economic, ecological, and social systems. Ecosystems, 4(5): 390–405. Disponível em: <http://www.esf.edu/cue/documents/Holling_Complexity-EconEcol-SocialSys_2001.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
[15] BUSCHBACHER, R. 2014. A teoria da resiliência e os sistemas socioecológicos: como se preparar para um futuro imprevisível? IPEA - Boletim Regional, Urbano e Ambiental nº 9, Janeiro/Junho 2014. Disponível em: <http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/boletim_regional/141211_bru_9_web_cap3.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.


Para saber mais:

Sites
Stockholm Resilience Centre
Resilience 2014 Conference
Consensus for action

Vídeos-documentários
Let the environment guide our development
Ecosystem services
Pricing the Planet

Matéria
The crucial role cities can play in protecting thehoneybee

Arte
Sparcs Center – Synergy program for analyzingresilience and critical transitions



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