Foto: Germano Lüders. Fonte
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por Andrés Burgos
O
número de casos de microcefalia se multiplica numa escalada sem precedentes no
Brasil. A hipótese da relação entre o Zika Virus (transmitido pelo Aedes
aegypti, o mesmo mosquito que provoca a dengue) e esses casos de má
formação em recém-nascidos é mais uma evidência de como a degradação ambiental
(aumento de temperatura, falta de saneamento básico e dificuldades no
abastecimento de água, dentre outros fatores), favorece a proliferação do vetor
e, portanto, ameaça a saúde humana. Desequilíbrios nos ecossistemas representam
um risco crescente para a saúde humana e para a sustentabilidade do planeta,
porém afetando especialmente os mais pobres.
A espécie humana, embora
“protegida” de mudanças ambientais pela cultura e pela tecnologia, depende
fundamentalmente da conservação dos ecossistemas e da biodiversidade que estes abrigam.
Isto é, a erosão da diversidade da natureza viva e dos sistemas naturais no
planeta Terra repercute, direta ou indiretamente, sobre o bem-estar humano uma
vez que essa degradação compromete o funcionamento dos ecossistemas e sua
capacidade de gerar serviços essenciais para a sociedade.
O
entendimento da dinâmica dos ecossistemas requer um esforço de identificação das chamadas funções ecossistêmicas, as quais podem ser definidas como as constantes interações existentes entre a estrutura e os processos
ecológicos de um ecossistema, incluindo transferência de energia, ciclagem de nutrientes, controle
biológico e regulação do ciclo da água. As funções dos ecossistemas são essências
para a qualidade de vida dos seres humanos porque por meio delas obtemos
benefícios em forma de serviços ambientais [1]. Tais benefícios abrangem
serviços de provisão, reguladores, culturais e de suporte, incluindo, entre
outros: provisão de alimentos,
regulação e oferta de água,
ciclagem de nutrientes,
regulação climática, retenção e formação do solo, satisfação espiritual e
apreciação estética.
Já
parou para pensar o que têm em comum animais como as abelhas, vespas e formigas
e outros como a cotia e o mico-leão-dourado? Os primeiros polinizam as plantas,
que, enquanto crescem, sequestram carbono da atmosfera. Já os segundos, ajudam
as florestas e matas dispersando sementes. Todos estes são exemplos de animais
que fornecem um serviço essencial ao ecossistema e trazem inúmeros benefícios à
sociedade mediante seu papel de produção de alimento, além de melhorias nos
meios de subsistência, desenvolvimento científico, cultural e recreação, e na
conservação dos habitats naturais.
Foto: Carlos Ayesta. Fonte |
Mas, do ponto de
vista econômico, quanto “valem” os serviços ecossistêmicos? Reconhecendo a
multidimensionalidade do valor dos serviços dos ecossistemas, a valoração
econômica vem sendo incorporada na base da avaliação desses serviços, junto às
dimensões biofísica e sociocultural [2]. A dimensão monetária é determinada
principalmente pelos benefícios que obtemos dos ecossistemas e que têm um
reflexo no valor estimado no mercado. O modo direto de cálculo da utilidade econômica
de um serviço ecossistêmico consiste na estimativa da disposição a pagar (ou a
receber) dos agentes econômicos por desfrutar (ou manter) tal serviço. Dessa valoração
surge o conceito de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), definido como uma
transação voluntária, na qual um serviço ambiental bem definido, ou um uso da
terra que possa assegurar este serviço, é adquirido por um comprador de um
provedor, sob a condição de que o provedor garanta a provisão do serviço [3].
Sob essa perspectiva, por exemplo, o valor do serviço de
polinização, à escala nacional, foi estimado na faixa de 1% a 16% do valor de
mercado da produção agrícola [4]. As técnicas de valoração
ambiental também foram aplicadas para estimar o valor anual dos fluxos globais
de 17 serviços em 16 tipos de ecossistemas [5]. Os resultados desse estudo
mostram que o capital natural da Terra rende, anualmente, um fluxo médio
estimado de US$ 33 trilhões (a preços de 1994)
por ano, valor 1,8 vezes superior ao produto bruto mundial (US$ 18 trilhões)
desse mesmo ano.
Contudo,
embora explicitar esses custos possa incentivar a conservação dos recursos
naturais ou sua utilização sustentável, algumas críticas à valoração ambiental ressaltam
o fato de que as técnicas baseiam-se apenas no funcionamento do livre mercado.
Isso significa pressupor (e aceitar) que o verdadeiro valor dos serviços ecossistêmicos
pode ser devidamente expresso mediante o ordenamento das preferências
individuais e revelado sem vieses pelos agentes econômicos [6].
O
esforço por sistematizar as informações relativas aos serviços ecossistêmicos e
sua contribuição para o bem-estar humano tem aumentado a partir da publicação
da Avaliação Ecossistêmica do Milênio [7]. Esse empenho
para desvendar a saúde dos ecossistemas do planeta e sua relação com a
manutenção da vida demonstra o fato de que a comunidade internacional reconhece
a necessidade e a urgência de se tomarem medidas inovadoras para proteger os
ecossistemas, dosando a sua preservação com os objetivos de desenvolvimento
[8]. Isso porque a degradação dos ecossistemas e as alterações nos fluxos de
serviços ecossistêmicos representam uma barreira significativa para a
consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) [9], assim como
para as metas contempladas recentemente nos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) [10].
Agora sabemos
definitivamente que os seres humanos tornaram-se um primeiro vetor de mudança
em nível planetário, alterando significativamente os processos químicos,
biológicos e físicos da Terra. Há evidências crescentes e consenso científico
de que os seres humanos estão levando o sistema terrestre a limites ou pontos
críticos, colocando em risco as condições do planeta das quais dependemos para
continuar tendo (ou aspirando a ter) uma alta qualidade de vida [11] [12]. Isso tem estimulado que alguns cientistas
comecem a usar o termo Antropoceno [13] para descrever o período mais recente na história do planeta no qual as atividades
humanas começaram a ter um impacto global significativo no clima da Terra e no
funcionamento dos seus ecossistemas.
Foto: Cristiana Ceppas. Fonte |
Parece evidente que estudar as
relações entre natureza e sociedade envolve analisar uma via de mão dupla: como os seres humanos afetam à integridade dos
ecossistemas e, como estes repercutem no bem-estar humano. Reconhece-se que o
uso que as pessoas fazem da natureza está embutido no sistema socioeconômico
(seus valores, relações sociais e políticas, direito de uso, leis, governança,
mercado e relações econômicas, etc.). Desta maneira, o conceito de “sistemas socioecológicos”
está sendo usado para evidenciar essa interdependência entre os processos e
componentes sociais e ecológicos, assim como contexto de estudo da gestão da
sustentabilidade [14].
Os
sistemas socioecológicos são sistemas complexos adaptativos, hierarquicamente
estruturados e auto-organizados. Enquanto sistemas complexos, tais sistemas apresentam
várias características, como variabilidade, retroações, limiar,
incerteza e resiliência que determinam seu funcionamento. Entender estas propriedades é essencial para compreender a dinâmica
destes sistemas como um todo e seus processos de mudança, de maneira a assegurar
a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas e suas contribuições para o
bem-estar humano.
“Um
bom exemplo de um sistema socioecológico é a fronteira amazônica, onde
múltiplos grupos de interesse (madeireiros, agricultores, pecuaristas, assentados,
indígenas e conservacionistas) interagem em busca de múltiplos objetivos
(produção, lucro, equidade, conservação e manutenção cultural); onde os fatores
biofísicos (como água, clima e biodiversidade) afetam e são afetados por essas
atividades sociais e econômicas; e onde múltiplos fatores, internos e externos,
vindo das escalas locais, nacionais e
internacionais (desde políticas públicas e aplicação das leis, à cultura, poder
e eficácia de diferentes discursos) influenciam sua dinâmica” [15, p.2].
Os
riscos e os desafios globais urgentes enfrentados por todas as nações estão
interligados: redução da pobreza;
desenvolvimento econômico; estabilidade política; poluição; segurança
alimentar; saúde; mudanças climáticas; perda de biodiversidade, para citar
apenas alguns. Por sua vez, satisfazer as necessidades básicas da humanidade
não é possível sem um ecossistema global funcionalmente saudável. Diante disso,
entender essas interligações, mediante a construção de uma ideologia baseada
numa ética ambiental e social, é fundamental para enfrentar esses desafios globais
e melhorar o bem-estar de todas as sociedades.
Referências bibliográficas
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R. 2014. A teoria da resiliência e os
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IPEA - Boletim Regional, Urbano e
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em: <http://ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/boletim_regional/141211_bru_9_web_cap3.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2015.
Para saber mais:
Sites
Stockholm Resilience Centre
Resilience 2014 Conference
Consensus for action
Vídeos-documentários
Let the environment guide our development
Ecosystem services
Pricing the Planet
Matéria
The crucial role cities can play in protecting thehoneybee
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Sparcs Center – Synergy program for analyzingresilience and critical transitions
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