quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Crescer ou Desenvolver, Eis a Questão



por Gabriela Zamignan

A Revolução Industrial trouxe a concepção de modernidade e progresso, baseada na ideia da promessa de “abundância para todos”. Até meados dos anos 1960, eram poucas as dúvidas ou questionamentos sobre a força e os impactos socioambientais do processo de crescimento econômico. Isso porque, de uma forma ou de outra, os países que se tornaram desenvolvidos relacionavam seus ganhos ao processo de industrialização. Sob o paradigma econômico, tendo como objetivo a busca pela acumulação de riqueza material, o sistema capitalista compreenderia um sistema de harmonia natural e vantagens universais, regido pelo que Adam Smith chamou de “mão invisível”: o mercado é autorregulado e tende ao equilíbrio harmonioso entre oferta e demanda. 
A ideia de progresso, durante a primeira metade do século XX, esteve diretamente ligada à noção de crescimento econômico que, por sua vez, era tido pelos economistas neoclássicos como sinônimo de desenvolvimento. O principal índice utilizado para sua mensuração era o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, como reflexo do progresso material em países, regiões ou localidades, porém com uma abordagem estritamente quantitativa e limitada, pois questões fundamentais como educação, trabalho, saúde, meio ambiente e habitação não são consideradas nessa análise [1]. Além disso, a racionalidade econômica neoclássica não reconhece os limites impostos por sistemas naturais à expansão das economias [6; 7].   
A partir do final dos anos 1960 e início dos 1970 o debate ambiental global decorrente de alertas sobre os impactos causados ao meio ambiente pelo crescimento econômico. No cenário da América Latina, Celso Furtado antecipou-se em perceber as condicionantes ambientais do progresso econômico contemporâneo e analisou a promessa de universalização do desenvolvimento econômico, que deixou à sombra de seu processo, questões sociais, culturais e ambientais que constituem as condições socioambientais da sustentabilidade. Para o pensador, no entanto, só quando existe um projeto social subjacente é que o crescimento pode se transformar em desenvolvimento [2].
Diante desta perspectiva, o desenvolvimento poderia ser interpretado como uma utopia, uma “armadilha ideológica “ construída para perpetuar as relações assimétricas entre as minorias dominadoras e as maiorias dominadas [8; 9]. Ao mesmo tempo, a obra ressalta a questão do mito do desenvolvimento econômico ao afirmar que em nenhum momento o nível de desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento se igualaria ao nível apresentado pelos países desenvolvidos. Dessa forma, o postulado de que primeiro o bolo precisaria crescer para que depois fosse repartido não tem se mostrado válido para promover a redução das desigualdades no mundo. O mito a que se refere Furtado encontra no modelo neoclássico da Curva de Kuznets sua melhor tradução [12].
Um dos fatores determinantes para o enfraquecimento do modelo de desenvolvimento econômico vigente, foi o lançamento do “Relatório de Desenvolvimento Humano” juntamente com o “Índice de Desenvolvimento Humano” (IDH), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 1990. A partir deste relatório, dados demonstraram que os resultados proporcionados pelo crescimento econômico em diversos países não se traduziram em avanços no bem-estar social. A desestabilização deste paradigma trouxe à tona discussões sobre o desenvolvimento que, além da dimensão econômica, passaram a atentar também para dimensões ambiental, social, cultural, política e espacial [12]. Isso ocorreu paralelamente à emergência da crise ambiental no cenário político, com destaque no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, a partir da produção de uma série de estudos e alertas sobre os impactos causados ao meio ambiente.

Fonte

A ideia de sustentabilidade ganhou corpo e expressão política na adjetivação do termo desenvolvimento, fruto da percepção de uma crise ambiental global. Como resultado do trabalho da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), o relatório Brundtland (1987), tinha como missão propor uma agenda global para a mudança. O resultado foi a emergência do conceito de “desenvolvimento sustentável”, caracterizado pela busca de conciliação entre a conservação ambiental e o desenvolvimento econômico, incluindo o imperativo ético de equidade intra e intergeracional. No entanto, a banalização da utilização do atributo da sustentabilidade no decorrer desses anos, tornando-se tão comum e indispensável no discurso político institucional e da sociedade civil, ocasionou uma desvirtuação do seu real significado [4; 12].
Portanto, a discussão destes conceitos, dimensões e contradições em torno do desenvolvimento sustentável requer a compreensão de que o desenvolvimento demanda uma interação entre agendas sociais, econômicas, ambientais e institucionais, que atendam às necessidades básicas e proporcionem mudanças qualitativas na vida das pessoas. Nesse sentido, a questão que se coloca é: que outro paradigma de desenvolvimento é possível?
Neste limiar, cabe destacar a perspectiva de desenvolvimento como liberdade apresentada pelo indiano Amartya Sen, economista laureado com prêmio Nobel em 1998, considerando primordial que seu processo seja planejado de maneira a integrar aspectos econômicos, sociais, políticos e ambientais. Destaca que o desenvolvimento como liberdade se realiza a partir “da eliminação de privações de liberdade que limitam escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente”. Ou seja, é um processo de expansão das capacidades humanas que dá oportunidade ao indivíduo e à coletividade de conquistar uma liberdade substantiva que impede privações e considera as habilidades elementares do ser humano, como ser instruído e participar da vida da comunidade [11].
Sob a ótica das abordagens que convergem para propostas de desmaterialização da economia, pode-se destacar o trabalho pioneiro antiglobalização de Ernst Friedrich Schumacher em “Small is Beautiful”, de 1973, a partir da perspectiva da economia budista, que destaca a necessidade de que os conceitos fossem revistos à luz de uma teoria econômica com sua atenção focada no desenvolvimento direcionado às pessoas. Defendia a produção em pequena escala, contrariando a racionalidade econômica baseada no gigantismo das empresas. Sugere um sistema baseado nos pequenos negócios em escala local que podem usar de maneira racional os recursos naturais e ter maior preocupação com as questões humanas [10; 9].
Ivan Illich, pensador da ecologia política e crítico da sociedade industrial, desenvolveu diversos trabalhos abordando a relação entre o indivíduo, a sociedade com a ciência e a técnica. Discutiu o princípio da contraprodutividade, a partir da crítica ao padrão de consumo que se impõe (excesso de carros; boom de celulares), e que gera uma série de problemas para a saúde das pessoas, bem como como para a coletividade. Nesse sentido, a sua obra “Tools for Conviviality” (1973) discorre sobre como o convívio pode resolver a crise ambiental, a partir da concepção de um relação autônoma e criativa entre as pessoas e as relações das pessoas com seu meio ambiente [5].
André Gorz, por sua vez, criticou a tendência do capitalismo de submeter todas as dimensões da vida humana e da sociedade à lógica do mercado. Aposta em propostas que traduzam as conquistas de produtividade e de redução de tempo obtidas pela revolução tecnológica, em benefícios para a sociedade e os indivíduos, não apenas aos conglomerados econômicos. Dessa forma, enfatiza a importância do ócio (tempo livre) e do lazer como valor imaterial, favorecendo atividades autônomas (sem valor de mercado), mas de grande valor social, pelas quais as pessoas poderiam exercer a criatividade e enriquecer as relações sociais. Segundo Gorz, deixar a lógica da racionalidade econômica influir nessas atividades seria um risco de destruição do próprio tecido social [3].
São diversas as alternativas e abordagens disponíveis para se pensar novos paradigmas de desenvolvimento. A busca pela acumulação ilimitada e exploração exacerbada dos recursos naturais convergiram em uma mecânica que tem se mostrado perversa por seus efeitos desastrosos para a humanidade e o planeta. A urgência de diretrizes, mecanismos e instrumentos que possam viabilizar e compatibilizar o equilíbrio necessário entre desenvolvimento econômico, equidade social e conservação ambiental configuram-se em desafios fundamentais a serem superados para a emergência de novos paradigmas de desenvolvimento.

Referências: 
1. CAVALCANTI, C. Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo, Cortez Editora, 1995. 429 p.
2. FURTADO, C. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
3. GORZ, A. L'Immatériel - Connaissances, Valeur et Capital. Paris: Galilée, 2003.
4. GUIMARÃES, R. P. A Ecopolítica da Sustentabilidade em Tempos de Globalização Corporativa. In: GARAY, I. E. G.; BECKER, B. K. (Orgs.). Dimensões Humanas da Biodiversidade: O desafio de novas relações sociedade-natureza no século XXI. Petrópolis: Editora Vozes, 2006.
5. ILLICH, I. Tools for Conviviality. New York: Harper and Row, 1973.
6. LEFF, Enrique. Saber Ambiental, Sustentabilidade, Racionalidade, Complexidade, Poder. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
7. _____. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
8. SACHS, I. Ecodesenvolvimento: Crescer sem Destruir. São Paulo, SP: Vértice, 1986. 107 p.
9. _____. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. São Paulo: Garamond, 2004.
10. SCHUMACHER, Ernst Friedrich. O Negócio é Ser Pequeno: um estudo de economia que leva em conta as pessoas. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
11. SEN, A. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
12. VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro, Garamond, 2005.

Para saber mais:

https://www.youtube.com/watch?v=wl2nMudbSm8
https://www.youtube.com/watch?v=ihsZs-kwFjs
https://www.youtube.com/watch?v=urwQpyJzDEs
https://www.youtube.com/watch?v=VBp5tqV2nag

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