por Gabriela
Zamignan
A Revolução Industrial trouxe a concepção de modernidade
e progresso, baseada na ideia da promessa de “abundância para todos”. Até meados
dos anos 1960, eram poucas as dúvidas ou questionamentos sobre a força e os
impactos socioambientais do processo de crescimento econômico. Isso porque, de
uma forma ou de outra, os países que se tornaram desenvolvidos relacionavam
seus ganhos ao processo de industrialização. Sob o paradigma econômico, tendo
como objetivo a busca pela acumulação de riqueza material, o sistema
capitalista compreenderia um sistema de harmonia natural e vantagens
universais, regido pelo que Adam Smith chamou de “mão invisível”: o mercado é
autorregulado e tende ao equilíbrio harmonioso entre oferta e demanda.
A ideia de progresso, durante a primeira metade do
século XX, esteve diretamente ligada à noção de crescimento econômico que, por
sua vez, era tido pelos economistas neoclássicos como sinônimo de
desenvolvimento. O principal índice utilizado para sua mensuração era o Produto
Interno Bruto (PIB) per capita, como reflexo do progresso material em países,
regiões ou localidades, porém com uma abordagem estritamente quantitativa e
limitada, pois questões fundamentais como educação, trabalho, saúde, meio
ambiente e habitação não são consideradas nessa análise [1]. Além disso, a racionalidade
econômica neoclássica não reconhece os limites impostos por sistemas naturais à
expansão das economias [6; 7].
A partir do final dos anos 1960 e início dos 1970 o
debate ambiental global decorrente de alertas sobre os impactos causados ao
meio ambiente pelo crescimento econômico. No cenário da América Latina, Celso
Furtado antecipou-se em perceber as condicionantes ambientais do progresso econômico
contemporâneo e analisou a promessa de universalização do desenvolvimento
econômico, que deixou à sombra de seu processo, questões sociais, culturais e
ambientais que constituem as condições socioambientais da sustentabilidade. Para
o pensador, no entanto, só quando existe um projeto social subjacente é que o
crescimento pode se transformar em desenvolvimento [2].
Diante desta perspectiva, o desenvolvimento poderia
ser interpretado como uma utopia, uma “armadilha ideológica “ construída para perpetuar
as relações assimétricas entre as minorias dominadoras e as maiorias dominadas
[8; 9]. Ao mesmo tempo, a obra ressalta a questão do mito do desenvolvimento
econômico ao afirmar que em nenhum momento o nível de desenvolvimento econômico
dos países em desenvolvimento se igualaria ao nível apresentado pelos países desenvolvidos.
Dessa forma, o postulado de que primeiro o bolo precisaria crescer para que
depois fosse repartido não tem se mostrado válido para promover a redução das desigualdades
no mundo. O mito a
que se refere Furtado encontra no modelo neoclássico da Curva de Kuznets sua
melhor tradução [12].
Um dos fatores determinantes para o enfraquecimento do
modelo de desenvolvimento econômico vigente, foi o lançamento do “Relatório de
Desenvolvimento Humano” juntamente com o “Índice de Desenvolvimento Humano” (IDH),
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 1990. A partir
deste relatório, dados demonstraram que os resultados proporcionados pelo
crescimento econômico em diversos países não se traduziram em avanços no
bem-estar social. A desestabilização deste paradigma trouxe à tona discussões sobre
o desenvolvimento que, além da dimensão econômica, passaram a atentar também para
dimensões ambiental, social, cultural, política e espacial [12]. Isso ocorreu
paralelamente à emergência da crise ambiental no cenário político, com destaque
no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, a partir da produção de uma série
de estudos e alertas sobre os impactos causados ao meio ambiente.
Fonte |
A ideia de sustentabilidade ganhou corpo e expressão
política na adjetivação do termo desenvolvimento, fruto da percepção de uma
crise ambiental global. Como resultado do trabalho da Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), o relatório Brundtland (1987), tinha como missão
propor uma agenda global para a mudança. O resultado foi a emergência do
conceito de “desenvolvimento sustentável”, caracterizado pela busca de
conciliação entre a conservação ambiental e o desenvolvimento econômico, incluindo
o imperativo ético de equidade intra e intergeracional. No entanto, a
banalização da utilização do atributo da sustentabilidade no decorrer desses
anos, tornando-se tão comum e indispensável no discurso político institucional
e da sociedade civil, ocasionou uma desvirtuação do seu real significado [4; 12].
Portanto, a discussão destes conceitos, dimensões e
contradições em torno do desenvolvimento sustentável requer a compreensão de que
o desenvolvimento demanda uma interação entre agendas sociais, econômicas, ambientais
e institucionais, que atendam às necessidades básicas e proporcionem mudanças qualitativas
na vida das pessoas. Nesse sentido, a questão que se coloca é: que outro paradigma
de desenvolvimento é possível?
Neste limiar, cabe destacar a perspectiva de
desenvolvimento como liberdade apresentada pelo indiano Amartya Sen, economista
laureado com prêmio Nobel em 1998, considerando primordial que seu processo seja
planejado de maneira a integrar aspectos econômicos, sociais, políticos e
ambientais. Destaca que o desenvolvimento como liberdade se realiza a partir “da
eliminação de privações de liberdade que limitam escolhas e as oportunidades das
pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente”. Ou seja, é um processo
de expansão das capacidades humanas que dá oportunidade ao indivíduo e à coletividade
de conquistar uma liberdade substantiva que impede privações e considera as habilidades
elementares do ser humano, como ser instruído e participar da vida da
comunidade [11].
Sob a ótica das abordagens que convergem para
propostas de desmaterialização da economia, pode-se destacar o trabalho pioneiro
antiglobalização de Ernst Friedrich Schumacher em “Small is Beautiful”, de 1973, a partir da perspectiva da economia
budista, que destaca a necessidade de que os conceitos fossem revistos à luz de
uma teoria econômica com sua atenção focada no desenvolvimento direcionado às
pessoas. Defendia a produção em pequena escala, contrariando a racionalidade
econômica baseada no gigantismo das empresas. Sugere um sistema baseado nos
pequenos negócios em escala local que podem usar de maneira racional os recursos
naturais e ter maior preocupação com as questões humanas [10; 9].
Ivan Illich, pensador da ecologia política e crítico
da sociedade industrial, desenvolveu diversos trabalhos abordando a relação
entre o indivíduo, a sociedade com a ciência e a técnica. Discutiu o princípio
da contraprodutividade, a partir da crítica ao padrão de consumo que se impõe
(excesso de carros; boom de
celulares), e que gera uma série de problemas para a saúde das pessoas, bem
como como para a coletividade. Nesse sentido, a sua obra “Tools for Conviviality” (1973) discorre sobre como o convívio pode
resolver a crise ambiental, a partir da concepção de um relação autônoma e
criativa entre as pessoas e as relações das pessoas com seu meio ambiente [5].
André Gorz, por sua vez, criticou a tendência do
capitalismo de submeter todas as dimensões da vida humana e da sociedade à
lógica do mercado. Aposta em propostas que traduzam as conquistas de
produtividade e de redução de tempo obtidas pela revolução tecnológica, em
benefícios para a sociedade e os indivíduos, não apenas aos conglomerados
econômicos. Dessa forma, enfatiza a importância do ócio (tempo livre) e do
lazer como valor imaterial, favorecendo atividades autônomas (sem valor de
mercado), mas de grande valor social, pelas quais as pessoas poderiam exercer a
criatividade e enriquecer as relações sociais. Segundo Gorz, deixar a lógica da
racionalidade econômica influir nessas atividades seria um risco de destruição
do próprio tecido social [3].
São diversas as alternativas e abordagens
disponíveis para se pensar novos paradigmas de desenvolvimento. A busca pela
acumulação ilimitada e exploração exacerbada dos recursos naturais convergiram
em uma mecânica que tem se mostrado perversa por seus efeitos desastrosos para
a humanidade e o planeta. A urgência de diretrizes, mecanismos e instrumentos que
possam viabilizar e compatibilizar o equilíbrio necessário entre
desenvolvimento econômico, equidade social e conservação ambiental configuram-se
em desafios fundamentais a serem superados para a emergência de novos
paradigmas de desenvolvimento.
Referências:
1. CAVALCANTI, C.
Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo,
Cortez Editora, 1995. 429 p.
2. FURTADO, C. O
Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
3. GORZ, A. L'Immatériel
- Connaissances, Valeur et Capital. Paris: Galilée, 2003.
4. GUIMARÃES, R.
P. A Ecopolítica da Sustentabilidade em Tempos de Globalização Corporativa. In:
GARAY, I. E. G.; BECKER, B. K. (Orgs.). Dimensões Humanas da Biodiversidade: O desafio
de novas relações sociedade-natureza no século XXI. Petrópolis: Editora Vozes, 2006.
5. ILLICH, I. Tools for Conviviality. New York: Harper
and Row, 1973.
6. LEFF,
Enrique. Saber Ambiental, Sustentabilidade, Racionalidade, Complexidade, Poder.
2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
7. _____. Racionalidade
Ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006.
8. SACHS, I.
Ecodesenvolvimento: Crescer sem Destruir. São Paulo, SP: Vértice, 1986. 107 p.
9. _____. Desenvolvimento
includente, sustentável, sustentado. São Paulo: Garamond, 2004.
10. SCHUMACHER,
Ernst Friedrich. O Negócio é Ser Pequeno: um estudo de economia que leva em
conta as pessoas. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
11. SEN, A. Desenvolvimento
como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
12. VEIGA, J. E.
Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro, Garamond,
2005.
Para saber mais:
https://www.youtube.com/watch?v=wl2nMudbSm8
https://www.youtube.com/watch?v=ihsZs-kwFjs
https://www.youtube.com/watch?v=urwQpyJzDEs
https://www.youtube.com/watch?v=VBp5tqV2nag
Nenhum comentário:
Postar um comentário