sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Desigualdades Sociais e Ambientais

Foto: Adriana Allen. Fonte

por Lídia Rogatto

Degradação ambiental e desigualdade de renda constituem dois dos principais desafios do século XXI. Vistos de maneira combinada, as disparidades de distribuição de renda e os impactos negativos em ecossistemas ameaçam o livre exercício da democracia, a segurança de contratos sociais (como o acesso a recursos e a participação política), além de acelerar o aquecimento global. Os efeitos, em grande parte cíclicos, perpassam o conjunto de sistemas humanos e naturais, tornando cada vez mais premente o diagnóstico de Ulrich Beck – vivemos em uma “Sociedade do Risco”.
Se é verdade que, segundo Amartya Sen, o bem-estar não pode ser medido unicamente pela renda, é no entanto indiscutível que a desigualdade – e a concentração de renda dos 10%, dos 5% e dos 1% mais ricos de uma dada população – afeta a resiliência e as oportunidades reais de grupos marginalizados. A concentração excessiva da riqueza impõe um grande desafio à resiliência da sociedade, dados os conflitos gerados pela exclusão de grande parte da população mundial do acesso a condições de vida dignas. Populações essas que se tornam alvos preferenciais de cooptação por organizações criminosas e terroristas.
Com a globalização, grandes corporações controlam os fluxos de capital e de recursos, influenciando processos que podem culminar na perda da biodiversidade e na perpetuação de condições de pobreza. De fato, como afirma o autor de “O ecologismo dos pobres” Joan Martínez Allier, a intersecção entre a questão humana e a natural está ligada a conflitos distributivos, de maneira que a justiça ambiental não pode ser dissociada da exploração contínua de grupos dominantes

Um dos exemplos de superação desse cenário obscuro é a retirada da Coca-Cola de Plachimada (Índia), discutida por Vandana Shiva. O caso oferece não somente um exemplo da ligação entre desigualdade de renda e degradação ambiental, mas também lampejos de como a participação social e o empoderamento de mulheres são decisivos para a retomada do controle local e sustentável de recursos hídricos.

Foto: Ahmad Masood (Reuters) Fonte

Estudos recentes como o do francês Thomas Piketty – autor do influente livro O Capital no Século XXI – evidenciam que a convergência da desigualdade de renda com a desigualdade ambiental pode ser compreendida a partir de quatro principais perspectivas. A primeira delas se explica nos termos de exposição a degradação ambiental – tanto entre países (regiões tropicais estão mais expostas às mudanças climáticas do que regiões temperadas) quanto dentro de países ou entre grupos sociais e étnicos (nos EUA, por exemplo, afro-americanos são mais propensos a sofrer com os efeitos de poluição do que brancos).
O segundo tipo de desigualdade ambiental pode ser lido quanto aos impactos diferenciados de grupos sociais ou indivíduos para a degradação ambiental – comunidades quilombolas, sob este aspecto, contribuiriam menos para a poluição do meio ambiente do que residentes de metrópoles (que, entre outras coisas, se locomovem de carro). O terceiro remete às desigualdades quanto ao efeito de políticas públicas ambientais, que podem alterar a desigualdade de renda. Um dos exemplos destacados pelo autor é o aumento do preço de energia: quando ocorre, pode ajudar a disparar impactos regressivos que, como é sabido, afetam mais os pobres do que os ricos.
Por fim, o quarto tipo de desigualdade ambiental está relacionado à produção de políticas: diferentes grupos sociais têm diferentes participações nos processos de políticas e programas ambientais. Assim, o estrato social ao qual um indivíduo pertence é um dos determinantes para a sua inclusão (ou não) em processos e tomadas de decisão. O que este último tipo evidencia é a conexão entre diferentes desigualdades – a desigualdade de renda escoando em desigualdades sociais e ambientais.
Trazendo à tona o caso particular do Brasil, é válido lembrar que o país é um dos mais desiguais do mundo, no qual a exclusão social é medida por “oligarquias latifundiárias, caciquismo violento, elites políticas restritas e racistas”, como aponta Boaventura de Souza Santos. De acordo com o sociólogo, essas desigualdades são a origem e a consequência de grandes conflitos ambientais, estando no centro do assassinato de líderes indígenas e camponeses, quando estes lutam pela manutenção de sua cultura, e contra o agronegócio e os megaprojetos de mineração e hidrelétricos.
Obviamente, em questões de desigualdade, vale sempre lembrar que ainda nos encontramos na fronteira dos problemas. A disponibilidade e a qualidade de dados são grandes limitações para estudos mais conclusivos, que apontem associações de maneira clara, e com objetivo de influir em reorganizações estruturais. Mais do que nunca, é necessário o encontro interdisciplinar para cobrir as lacunas existentes e contemplar alternativas sustentáveis.

Bibliografia

Para ler o estudo de Piketty sobre desigualdades ambientais na íntegra, clique aqui 

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