Foto: Adriana Allen. Fonte |
por Lídia Rogatto
Degradação
ambiental e desigualdade de renda constituem dois dos principais desafios do
século XXI. Vistos de maneira combinada, as disparidades de distribuição de
renda e os impactos negativos em ecossistemas ameaçam o livre exercício da
democracia, a segurança de contratos sociais (como o acesso a recursos e a
participação política), além de acelerar o aquecimento global. Os efeitos, em
grande parte cíclicos, perpassam o conjunto de sistemas humanos e naturais,
tornando cada vez mais premente o diagnóstico de Ulrich Beck – vivemos em uma
“Sociedade do Risco”.
Se
é verdade que, segundo Amartya Sen, o bem-estar não pode ser medido unicamente
pela renda,
é no entanto indiscutível que a desigualdade – e a concentração de renda dos 10%,
dos 5% e dos 1% mais ricos de uma dada população – afeta a resiliência e as
oportunidades reais de grupos marginalizados. A concentração excessiva da
riqueza impõe um grande desafio à resiliência da sociedade, dados os conflitos
gerados pela exclusão de grande parte da população mundial do acesso a
condições de vida dignas. Populações essas que se tornam alvos preferenciais de
cooptação por organizações criminosas e terroristas.
Com
a globalização, grandes corporações controlam os fluxos de capital e de
recursos, influenciando processos que podem culminar na perda da biodiversidade
e na perpetuação de condições de pobreza. De fato, como afirma o autor de “O
ecologismo dos pobres” Joan Martínez Allier, a intersecção entre a questão
humana e a natural está ligada a conflitos distributivos, de maneira que a justiça
ambiental não pode ser dissociada da exploração contínua de grupos dominantes.
Um
dos exemplos de superação desse cenário obscuro é a retirada da Coca-Cola de Plachimada
(Índia), discutida por Vandana Shiva.
O caso oferece não somente um exemplo da ligação entre desigualdade de renda e
degradação ambiental, mas também lampejos de como a participação social e o
empoderamento de mulheres são decisivos para a retomada do controle local e
sustentável de recursos hídricos.
Foto: Ahmad Masood (Reuters) Fonte |
Estudos
recentes como o do francês Thomas Piketty – autor do influente livro O Capital no Século XXI – evidenciam que
a convergência da desigualdade de renda com a desigualdade ambiental pode ser
compreendida a partir de quatro principais perspectivas. A primeira delas se
explica nos termos de exposição a degradação ambiental – tanto entre países
(regiões tropicais estão mais expostas às mudanças climáticas do que regiões
temperadas) quanto dentro de países ou entre grupos sociais e étnicos (nos EUA,
por exemplo, afro-americanos são mais propensos a sofrer com os efeitos de
poluição do que brancos).
O
segundo tipo de desigualdade ambiental pode ser lido quanto aos impactos
diferenciados de grupos sociais ou indivíduos para a degradação ambiental –
comunidades quilombolas, sob este aspecto, contribuiriam menos para a poluição
do meio ambiente do que residentes de metrópoles (que, entre outras coisas, se
locomovem de carro). O terceiro remete às desigualdades quanto ao efeito de
políticas públicas ambientais, que podem alterar a desigualdade de renda. Um
dos exemplos destacados pelo autor é o aumento do preço de energia: quando
ocorre, pode ajudar a disparar impactos regressivos que, como é sabido, afetam
mais os pobres do que os ricos.
Por
fim, o quarto tipo de desigualdade ambiental está relacionado à produção de
políticas: diferentes grupos sociais têm diferentes participações nos processos
de políticas e programas ambientais. Assim, o estrato social ao qual um
indivíduo pertence é um dos determinantes para a sua inclusão (ou não) em
processos e tomadas de decisão. O que este último tipo evidencia é a conexão
entre diferentes desigualdades – a desigualdade de renda escoando em desigualdades
sociais e ambientais.
Trazendo
à tona o caso particular do Brasil, é válido lembrar que o país é um dos mais
desiguais do mundo, no qual a exclusão social é medida por “oligarquias
latifundiárias, caciquismo violento, elites políticas restritas e racistas”,
como aponta Boaventura de Souza Santos.
De acordo com o sociólogo, essas desigualdades são a origem e a consequência de
grandes conflitos ambientais, estando no centro do assassinato de líderes
indígenas e camponeses, quando estes lutam pela manutenção de sua cultura, e
contra o agronegócio e os megaprojetos de mineração e hidrelétricos.
Obviamente,
em questões de desigualdade, vale sempre lembrar que ainda nos encontramos na
fronteira dos problemas. A disponibilidade e a qualidade de dados são grandes
limitações para estudos mais conclusivos, que apontem associações de maneira
clara, e com objetivo de influir em reorganizações estruturais. Mais do que nunca,
é necessário o encontro interdisciplinar para cobrir as lacunas existentes e contemplar
alternativas sustentáveis.
Bibliografia
Para
ler o estudo de Piketty sobre desigualdades ambientais na íntegra, clique aqui
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