sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Regimes Ambientais: vamos seguir em “dieta” de ações?

Fonte: Quino 2003, p. 194, tira 3 Fonte

por Sarah Irffi


Um contínuo e crescente esforço para reduzir as pressões sobre a natureza se observa nos numerosos e diversos acordos ambientais internacionais firmados entre países nos últimos anos. Multilaterais ou bilaterais, os acordos têm por objeto temas diversos: clima, biodiversidade, desertificação, resíduos perigosos, entre outros. Porém, em comum, as dificuldades inerentes ao processo de criação de uma base institucional de governança global que induza os países envolvidos à adoção de um comportamento cooperativo e proativo.
O dilema entre cooperar ou não cooperar permeia as discussões acadêmicas bem como é tema recorrente nos fóruns globais de negociação entre as nações sobre a real capacidade destes instrumentos em alcançar o resultado esperado. Em suma, muito se discute (e já se discutiu) sobre quais medidas devem ser adotadas em prol de bens públicos globais [I], tais como: o ar limpo, a biodiversidade, segurança, estabilidade financeira, entre outros, porém poucas medidas efetivas se observam em curso ou em vias de implementação. 
Ainda sim, cabe destacar que o estágio atual da governança ambiental internacional demonstra um avanço na curva de aprendizagem da sociedade sobre “o que”, “como” e “com quem” negociar, considerando-se os esforços de ratificação de diferentes acordos, formação de regimes ambientais internacionais e a adoção de políticas e práticas no âmbito doméstico.

Porém, uma análise sucinta na literatura dos fatores que influenciam ou determinam o sucesso das negociações dos acordos e/ou regimes ajuda a entender o porquê de tantas incertezas, desconfianças e até mesmo inércia dos países que acabam por levar ao fracasso e o ceticismo em relação às soluções coletivas. 
O aquecimento global (link texto Christina) é um bom exemplo da dificuldade de se promover a cooperação internacional via regime para minimizar a crise ambiental relacionada ao desequilíbrio climático. 


Fonte

A ausência de um consenso entre as nações faz com que as negociações para o combate às mudanças climáticas se arrastem há mais de duas décadas e a solução permaneça cada vez mais distante. 
Por outro lado, não podemos negligenciar que importantes resultados foram alcançados em negociações ambientais internacionais tais como, a Rio 92. Neste evento foi elaborada a Agenda 21, um roteiro para países, estados e cidades em prol do desenvolvimento sustentável. No ano de 2000, podemos destacar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) fruto de grandes conferências mundiais dos anos 90 que definiram metas claras a serem atingidas até o ano 2015. A agenda pós-2015, em negociação, demonstra que muitas metas foram alcançadas e outras não, sendo necessário firmar um novo compromisso global. 
A 21ª Conferência das Partes (COP 21 em inglês) em andamento neste mês em Paris se insere no regime jurídico internacional [II] proposto pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC em inglês), e reitera a necessidade de enfrentar conjuntamente as causas e os efeitos da crise climática. 
Tais regimes ambientais internacionais surgem, portanto, para resolver problemas, difundir informações e minimizar incertezas. Podem ser entendidos como “um conjunto de normas, regras e princípios implícitos ou explícitos e procedimentos de tomada de decisão sobre os quais os atores convergem suas expectativas” [2]. 
Porém, a facilidade ou dificuldade de formação de um regime é uma função de conflitos entre os interesses políticos, econômicos e ambientais dos países relevantes. Alguns autores destacam três fatores que são pertinentes na discussão sobre a formação e manutenção de regimes para bens públicos globais: como os interesses nacionais afetam o plano internacional, as incertezas dos atores sobre a qualidade da informação científica e a influência/pressão política de Organizações Governamentais e Não-Governamentais (ONGs) nos níveis nacional e internacional nas negociações [4]. 
Os regimes orientam, portanto, as ações de diferentes atores incluindo os Estados que são os membros mais formais do regime, as agências governamentais, corporações, grupos de interesses e até indivíduos cujo comportamento é afetado pela provisão do regime. Desempenham um papel de guia no cenário internacional influenciando o comportamento destes atores, criando novos papéis para atores relevantes através de suas regras, procedimentos de tomada de decisão e programas [5]. 
Têm por finalidade facilitar e encorajar a cooperação entre governos em acordos específicos na medida em que são capazes de alterar os custos transnacionais, permitir a troca de informação entre os membros, e melhorar a eficiência fazendo com que se torne mais conveniente para os governos estarem engajados no regime do que fora dele [5]. 
No entanto, só a cooperação não é suficiente para que o regime seja efetivo em seu propósito (as inúmeras COP já realizadas são o exemplo disso!). A cooperação é um dos pilares para a solução do problema que deve ainda levar em conta as preferências e os interesses individuais dos atores e, se o regime evita perdas e/ou proporciona ganhos conjuntos (sejam econômicos e/ou ambientais). 
Na literatura, há uma tendência em se focalizar nos efeitos que os acordos exercem na mudança de comportamento dos atores como medida de efetividade, colocando em segundo plano a análise da ocorrência dos impactos, os quais demonstram as modificações no ambiente provocadas pelo regime. Ou seja, existe uma distinção clara entre os tipos de efetividade; a institucional e a ambiental. 
A mudança de comportamento sugere um efeito institucional positivo, porém esse pode ser completamente irrelevante em termos de efetividade ambiental se os principais responsáveis pela degradação que se busca minimizar ou eliminar não estiverem inseridos no regime. Sendo assim, para se atingir a efetividade ambiental é fundamental que os atores ecologicamente relevantes estejam envolvidos e que também se leve em consideração a participação relativa dos atores no decorrer do tempo (horizonte temporal); aqueles que não poluem ou causem danos hoje podem se tornar os poluidores de amanhã [7]. 
É o caso, por exemplo, da inexistência de metas obrigatórias para redução das emissões de gases de efeito estufa por países em crescente expansão econômica, tais como a China ou a não ratificação do regime ambiental por aqueles países historicamente emissores, Estados Unidos. 
A partir desta perspectiva e do cenário atual de negociações em Paris nos perguntamos se as ações a serem propostas pelos países (quando forem implementadas) serão capazes de produzir efeitos ambientais significantes. O tempo de elaboração de um acordo, muitas vezes, não corresponde ao tempo ambiental, e certas formas de degradação ambiental podem de fato ser irreversíveis.
Observamos que um esforço institucional para a assinatura de um novo acordo com metas mais ambiciosas está em andamento na COP 21. Resta-nos saber se a definição e implementação de melhorias será capaz de produzir resultados efetivos na escala de tempo apontada pelas evidências científicas como urgente. 

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I - Os bens públicos globais podem ser definidos como bens, serviços, ou recursos cuja existência é benéfica a todos os países sem exclusão nem concorrência. Se diferencia dos bens privados por seus efeitos de difusão serem sentidos em todo planeta, como também suas externalidades negativas e positivas. [1] 


II - estabilizar as concentrações dos gases de efeito estufa a um nível que impeça uma interferência perigosa no clima mundial. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente para permitir aos ecossistemas adaptar-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável [3].


Saiba mais

[1] BATTISTELLA, Marie – Claude; VENNESSON, Pascal. Dictionaire des Relationes Internacionales. Paris: Dalloz, 2003. p.31-35 
[2] KRASNER, Stephen D. (ed). 1983. International Regimes. Ithaca, NY: Cornell University Press. 
[3] BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Brasília: MCT, 1992. 31p. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/Clima/convencao/pdf/Convencao.PDF> Acesso em 10 out. 2005 p. 6 
[4] BUCK, Susan J. A Framework for Analysis. In: BUCK, Susan J. The Global Commons: an introduction. Washington: Island Press, 1998. Cap.2, p.29-35. 
[5] YOUNG, Oran R. The Effectiveness of International Regimes. In: YOUNG, Oran R. Governance in world affairs. Ithaca: Cornell University Press, 1999a. Cap.5, p.108. 
[6] CIOPPA, Tom.; BRUYNINCKX, Hans. The Effectiveness of International Environmental Regimes: What about the Environment? International Studies Association. Los Angeles, p.1-40, Mar.2000. Disponível em: <http://www.ciaonet.org/frame/wpsfrm.html> Acesso em 26 set. 2005. 
[7] BURSZTYN, M. A.; BURSZTYN, M. Fundamentos de Política e Gestão Ambiental: caminhos para a sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. 612 p. 
[8] PRESTRE, Phillipe L. Ecopolítica Internacional. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000. 481p 
[9] MITCHELL, Ronald. International Environmental Agreements: A Survey of Their Features, Formation, and Effects. Annu. Rev. Environmental Resources, August 2003. 28:429–61.

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