quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Segurança Alimentar e Políticas Socioagroambientais

Fonte: Slow Food

por Cecilia Ricardo



Apesar do conceito já estar internalizado em muitas leis e políticas públicas nacionais e internacionais, o termo “Segurança Alimentar” (SA) começou a ser construído apenas no final da Segunda Guerra Mundial e com a crise agrícola dela decorrente. Inicialmente a expressão dizia respeito apenas à disponibilidade de alimento, assumindo-se que apenas a quantidade de alimento influenciava a segurança alimentar, desconsiderando questões de acesso e distribuição. Muito se avançou nessa conceituação, e em 1996 a FAO emitiu a Declaração de Roma Sobre a Segurança Alimentar Mundial[1], na qual se estabeleciam os três aspectos principais das atuais definições de Segurança Alimentar: quantidade, qualidade e regularidade no acesso ao alimento.

Alguns autores[2] vão além, e estabelecem que para que um indivíduo esteja livre da Insegurança Alimentar ele deve ter acesso a um alimento que seja: suficiente em quantidade; adequado em qualidade nutricional; aceitável culturalmente; seguro e; certo e estável. Esses cinco parâmetros são amplamente difundidos e permeiam a maioria das definições nacionais de SA ao redor do mundo. Entretanto, as definições vão além de meras formas de se ordenar as palavras, “elas implicam em escolhas, um jeito particular de se enxergar um problema dentro de uma gama de alternativas”[3]. E as políticas são determinadas, em parte, por essas escolhas.

No Brasil, desde 1997, após a cúpula mundial da Alimentação organizada pela ONU, têm crescido os esforços para a efetivação de políticas de segurança alimentar[4]. Estas podem ser divididas em três grandes grupos que, direta ou indiretamente, influenciam os rumos da SA nacional: as políticas sociais; as políticas ambientais e; as políticas agrícolas. Dentro das políticas sociais de combate a insegurança alimentar estão as de Transferência Condicionada de Renda (TCR), que visam a inclusão de pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social a fim de combater a fome e a pobreza, como é o caso do Bolsa Família, criado em 2003[5]. Outras ações de combate a insegurança alimentar de natureza social, são os programas de distribuição de cestas básicas, leite e suplementos alimentares para crianças e gestantes[6].

Já dentro das Políticas Ambientais, os efeitos sobre a SA são de perfil mais indireto, como são os casos das políticas de controle ao uso de agrotóxicos[7], as atividades de combate ao desmatamento[8] (que garantem a manutenção de serviços ecossistêmicos fundamentais para as atividades agrícolas e extrativistas), as políticas de controle, manutenção e preservação das margens de nascentes e cursos d´água[9] e as políticas de combate a incêndios florestais indiscriminados em ambientes sensíveis ao fogo[10]



No âmbito das políticas agrárias relacionadas à segurança alimentar são diversos os exemplos diretos, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)[11] e os programas de distribuição de sementes, como o SAF e o SEAF[12]. Entretanto, de forma mais indireta, muitos outros programas agem sobre a SA ao influenciar na produção de alimentos bons, limpos e justos[13] e ao garantir, por meio de incentivos fiscais, a manutenção das atividades da agricultura familiar e das redes produtivas associadas, como é o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)[14].

Contudo, nem sempre as políticas nacionais acompanham as inovações e adequações que as novas definições de Segurança Alimentar trazem, criando-se, assim, um deslocamento entre políticas e definições. Essas incongruências podem se expressar na falta de ações para alguns dos cinco parâmetros da SA, ou quando se privilegiam mais certos aspectos que outros, ou quando se criam indicadores focados apenas em certos aspectos da definição. Podemos citar, dentro dessa situação, as ações que privilegiam apenas o aumento da ingestão de calorias sem atentar para a qualidade dos alimentos ingeridos (como ocorre com as cestas básicas de baixa qualidade), ou políticas de distribuição de sementes modificadas ou transgênicas, que desconsideram os aspectos culturais do alimento e da produção, ou ainda as políticas de “fogo zero” que, em muitas partes do país, criminalizaram as formas tradicionais de plantio e ameaçaram a segurança alimentar das comunidades locais[15].

Contudo, como sugere Coates[16], Segurança Alimentar é um problema multidimensional e, portanto, deve ser analisado e combatido em diferentes frentes. Esse caráter transversal da questão também exige uma abordagem interdisciplinar do tema, que não pode ser avaliado apenas com paradigmas de uma única disciplina. Dessa mesma forma, a construção de indicadores eficientes no combate à insegurança alimentar é um grande desafio, principalmente quando se tenta fugir das abordagens que privilegiam apenas quantidades calóricas ou indicadores biológicos. Aspectos subjetivos da fome e da insegurança alimentar veem sendo considerados nos novos indicadores a partir da incorporação da “percepção”[17] dos entrevistados a respeito dessas questões, como começa ocorrer na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA)[18]

Avaliar os avanços nacionais e internacionais das Políticas de Segurança Alimentar não tem sido tarefa fácil, mas os esforços em busca de abordagens interdisciplinares que privilegiem o aspecto multidimensional do tema têm crescido. Talvez uma nova forma de avançarmos em direção a esse objetivo seja abordando o tema a partir de um panorama mais amplo, onde deixamos de buscar apenas a segurança alimentar das pessoas e passemos a buscar a Soberania Alimentar Local[19] de todas as populações.






[1] FAO, 1996. Rome declaration on world food security, World Food Summit, Rome Food and Agriculture Organization.
[2] COATES, J. 2013; COATES et al., 2006;
[3] DERY, D., 1984. Problem Definition in Policy Analysis. Lawrence, University Press of Kansas: xii p.5.
[4] Como no caso da Política Nacional de Segurança Alimentar
[5] Sobre o Programa Bolsa Família (http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e) . Artigos relacionados: SEGALL, 2008. TROLDI, 2011.
[6] Como o caso do programa VivaLeite do estado de São Paulo (http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/portal.php/vivaleite) e o programa de distribuição de cestas de alimentos da CONAB (http://www.conab.gov.br/conteudos.php?a=564&t=2)
[7] Como a Programa Nacional para a Redução do Uso de Agrotóxicos (PRONARA) (http://www.mda.gov.br/sitemda/tags/pronara)
[8] Como o caso do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm)  (http://www.mma.gov.br/florestas/controle-e-preven%C3%A7%C3%A3o-do-desmatamento/plano-de-a%C3%A7%C3%A3o-para-amaz%C3%B4nia-ppcdam)
[13] Esses são os três princípios norteadores do movimento Slow Food (http://www.slowfoodbrasil.com/slowfood/o-movimento)
[15] 2011_ Mistry & Bizerril_ Por Que é Importante Entender as Inter-Relações entre Pessoas, Fogo e Áreas Protegidas (http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:afTyWbC6BCYJ:www.icmbio.gov.br/revistaeletronica/index.php/BioBR/article/download/137/97+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br)
[17] SEGALL, 2007
[18] Para Saber mais sobre a EBIA: SEGALL, 2011; KEPPLE, 2011; BELIK, 2012

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